Gordofobia e Epidemia
Há muito tempo tenho consciência do meu excesso de peso. Faz tempo que sofro com a gordofobia, mesmo quando meu IMC era “aceitável”. Acima de tudo, ficava incomodado a partir de comentários dos colegas de trabalho e conhecidos sobre a gordura dos outros. Demorei bastante tempo para entender como o comportamento gordofóbico é preconceituoso, do mesmo modo que o racismo, a homofobia ou o sexismo.
Está no DNA da cultura do brasileiro, se bem que de muitos outros povos e sociedades. Virou senso comum a imagem do magro como o ideal para as pessoas, para satisfação da indústria de marketing e beleza.
Da mesma forma que virei estatística quando sofri um acidente de moto em 2012, faço parte das estatísticas de obesos. Sai da condição de magreza leve (na infância) para sobrepeso (antes do acidente). Atingi o ápice quando sou desqualificado como portador de Obesidade Grau III (mórbida).
Preconceito
Na minha infância, sofri uma espécie de preconceito. Era muito franzino e um tio apelidou-me de “passarinho”, pelas canelas e braços finos. Naquele tempo isto era comum e bastava a pessoa não se importar que a coisa não prosperava. Atualmente, virou bullying e pode ser criminalizado, alguns chamam de evolução e civilidade. Por outro lado, lembro que tinha alguns colegas e parentes que eram “gordos”. Sinceramente, não me lembro de usar, pejorativamente, termos como “baleia”, “gordão” e outros. Lembro que dois tios eram muito gordos, e eu tinha medo de ficar daquele jeito. Entretanto, como era “o passarinho”, pensava que estaria “imune” e vacinado, eu estava redondamente enganado.
Pode parecer absurdo, mas entendo que o próprio gordo contribui para o preconceito contra sua aparência. Alguns destas pessoas, acima do peso, preocupam-se em forjar atributos que os levem a serem aceitos com a sua condição de obeso ou são negacionistas.
A mídia (sempre ela !) tem sua parcela enorme de responsabilidade. E, como se não bastasse, figuras públicas como Jô Soares e Fausto Silva, deveriam exercer um papel diferente, mas não contribuem. Eles devem imaginar que se não tivessem o dinheiro e projeção que tem, não seriam vítimas da gordofobia.
Por exemplo, achar que todo gordinho é simpático e dizer coisas como “… ninguém nunca viu um gordinho terrorista …” é o tipo de preconceito que estas pessoas alimentam. É mais ou menos como criar uma cobra no quintal, começa dentro de casa. Sem dúvida, as mães superprotetoras são as principais responsáveis pela epidemia da obesidade infantil e os efeitos sobre as crianças acima do peso. De “é fofinho“, “rechonchudo” e “gracinha“, para “gordinho” rejeitado até nas brincadeiras é um pulo, basta alguém começar.
Gordofobia
Como se não bastasse, o padrão de beleza imposto pela mídia e pela sociedade mercantilista e comercial virou assédio na cabeça das pessoas. Em tempos de redes sociais, até quem não é classificado como obeso sofre assédio moral. Será que superamos, enfim, o limite de que até escolas e alunos rejeitam professores acima do peso? Será que se isso fosse uma doença ou até mesmo limitasse a capacidade de ensinar é uma hipótese atual?
Enquanto esta sociedade deveria privilegiar a questão da saúde, as pessoas tentam esconder seus defeitos apontando defeitos nos outros. No meu caso, as situações constrangedoras não foram muitas e doem somente quando a gente é vítima. Entretanto, quando me coloco na “carcaça” de outros obesos, e até barrigudos não classificados como gordos, sinto vergonha se, algum dia, exerci a gordofobia.
Mídia e Médicos
Da mesma forma que a mídia exerce seu papel da disseminação de um “padrão de beleza”, alguns médicos tratam a questão com um viés perigoso. A questão é séria e exige que cada pessoa tenha consciência de quais os problemas que afetarão sua saúde.
Frases como as proferidas por alguns gordos não ajudam nem a eles próprios. A situação agrava-se quando a obesidade atinge pessoas do sexo feminino. A cobrança da sociedade, família e redes sociais é cruel, sanguinária, medieval.
Portanto, a partir do momento em que alguns médicos tratam e reforçam a questão como epidemia mundial é um começo promissor. Além disso, se classificam, genericamente, a obesidade como doença grave, começa e fecha o ciclo da gordofobia. O obeso começa fazendo troça de si mesmo, em outras palavras, tenta buscar aceitação na sociedade e grupos do qual faz parte. Contudo, parte destes médicos abandonam todos os problemas de saúde do obeso para tratá-lo como gordo somente, o que é, igualmente, perverso.
Foucault, na sua Microfísica do Poder, explica muito isto. A Igreja era “dona” do poder, na sequência vieram os hospitais, os hospícios, as prisões, a inquisição e afins. Assim sendo, muitos médicos, muito antes da mídia, determinavam quem teria isolamento como um “doente”. A gordofobia é uma forma de isolar e exercer o controle social de quem não atende os “padrões” estabelecidos.
Assim sendo, peço desculpas a todos que porventura tenham sofrido com algum deslize meu neste tema, que tenha causado possíveis constrangimentos ou preconceito.
Dia Mundial de Combate a Obesidade
De fato, pode parecer estranho, mas um dos problemas que enfrentei foi negligenciar o pensamento dos que me tratavam usando do preconceito da gordofobia. Imaginava que as pessoas tinham que me aceitar pelas ideias e não pelas aparências. Alguns poucos tiveram a coragem de abandonar as minha ideias e falar da minha gordura. Usei uma frase adaptada: “… a minha gordura eu posso resolver, mas o seu caráter não tem solução …”.
Em determinado momento, quando o preconceito (gordofobia) desaguaram em questões de assédio moral, tomei a decisão de ir cuidar da minha saúde. Após tentar várias atividades e “regimes”, para não continuar ganhando peso, decidi pela cirurgia bariátrica.
Em síntese, sou/era(*) um obeso, consciente e com status mutante mesmo com a indiferença e o descrédito geral. E não pensem os preconceituosos e assediadores que isto é uma resposta para vocês. Certamente é uma demonstração de que mudar o aspecto físico faz um bem danado e salva vidas.
Hoje, Dia Mundial de Combate à Obesidade, é uma forma de preconceito, simples assim. Agradeço aos profissionais da medicina e saúde que me ajudaram a combater este mal e ganhar uma nova vida. Em um futuro próximo terei um texto específico para o meu processo antes, durante e depois da bariátrica.
(*) Revisado e atualizado em junho de 2018
Imagem: Reprodução Internet
Nota do Autor
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