Recenseamento
A história indica que o primeiro recenseamento no país ocorreu em 1872(1). No ano em que se comemora o sesquicentenário do primeiro Censo, temos a certeza que ainda não evoluímos em muitas coisas. Com toda a certeza, os modelos estatísticos e as informações previstas no Censo 2022 são de melhor qualidade e maior quantidade.
Se, anteriormente, o Imperador e seus gestores preocupavam-se com dados específicos e vivíamos num regime feudal, agora evoluímos.
A distribuição da população se fez, naquele momento, por:
- Cor
- Sexo
- Estado de dependência (livres ou escravos)
- Estado civil
- Nacionalidade
- Ocupação
- Religião
O Censo de 2022 prevê detalhes que seriam inimagináveis no primeiro recenseamento. Desse modo, a história do recenseamento no Brasil deveria ter melhor compreensão, por parte dos brasileiros. Em outras palavras, assim como nas eleições, o brasileiro ainda não assimilou bem a importância da sua participação.
Censo 2022
Em primeiro lugar, o recenseamento não é uma espécie de pesquisa ou enquete. Se bem que a população brasileira, em determinadas faixas etárias, dá mais importância às enquetes virtuais do que ao Censo. É provável que estas pessoas ainda não tenham se dado conta da importância de sabermos quem somos.
A frase “Conhece-te a si mesmo…” e suas variações já foram atribuídas a Sócrates, Tales de Mileto e Pitágoras, dentre outros. Muitos pensadores e filósofos utilizam desta frase para várias abordagens. Sun Tzu (A Arte da Guerra) e Maquiavel (O Príncipe) tratam do tema para que seja possível enfrentar o inimigo. Em suma, se não nos conhecermos, não temos como tratar dos nossos próprios problemas.
Breve história
Um Censo implica em custos, normalmente de investimento elevado. Estatisticamente, verifica-se como apropriada a realização do Censo de dez em dez anos. No Brasil, o censo iniciou-se em 1872 e teve sua segunda edição em 1890, logo após a instalação da República. Em seguida, ocorreu um recenseamento em 1900 e, até 1980, cumpriu o rito decenal de mostrar a evolução social e demográfica do país.
Contudo, nos anos de 1910 e 1930 o Censo não se realizou e a população teve retrocesso em vários setores.
A evolução dos métodos de recenseamento e a elevação dos custos e da atualização geral, provocaram um problema econômico em 1989. Não apenas pela confusão econômica, decorrência do confisco do dinheiro da população pelo Plano Collor, mas pela instabilidade política. Com toda a certeza, questões políticas e econômicas adiaram o Censo de 1990 para o ano seguinte. Analogamente, o Censo tinha previsão para 2020, foi postergado para 2021 e depois para este ano, com justificativas inadmissíveis.
Como se não bastasse a instabilidade política, o Censo 2022 está sendo realizado até por intervenção do STF. Não fosse a corte superior do país, é provável que o Censo tivesse um adiamento para 2030, como no século passado.
Interesses escusos
Quaisquer que sejam as ´justificativas` para a não realização ou limitação das operações censitárias, pode haver interesses escusos nesta procrastinação.
Tudo isto, certamente, tem relação muito além da falta de bom senso e racionalidade. Em um artigo sobre a LGPD(2) (Lei Geral de Proteção de Dados), sobre dados estatísticos e pessoais, imaginei termos problemas gerais.
As informações de um recenseamento servem a muitos propósitos. Desde que feito corretamente, o número de habitantes e eleitores determina receitas recebidas da esfera federal até o número de vagas nos legislativos.
Surpreendentemente, a população não tem a noção da importância do recenseamento sobre a sua vida e verbas destinadas ao seu bairro ou cidade.
Outras informações são altamente relevantes como a migração de populações de determinadas áreas demográficas. Homens tendem a migrar para outras regiões e deixar mulheres com filhos dependentes de auxílios diversos. Neste ínterim, verificam-se altíssimos índices de abstenção eleitoral por conta destas mudanças, sem controle e avaliação do Estado.
A quem interessa este tipo de informação errada ou desinformação?
Pesquisas eleitorais que não se baseiam em movimentação demográfica podem ser confiáveis?
Bom senso ?
Sem dúvida, o Censo é uma forma de nos conhecermos, saindo de nossa ´bolha` e entendermos o nosso coletivo. Contudo, o individualismo das pessoas e alguns preconceitos e FUD(*) tem feito a cabeça do brasileiro. Funciona muito bem, mesmo que o IBGE tenha feito um preparo para que as pessoas recebam os recenseadores e respondam às perguntas.
O trabalho dos profissionais do IBGE sempre foi de altíssima qualidade, muito em função da extensão territorial e diversidade no Brasil. Entretanto, as disputas políticas, que reforçam a teoria conspiratória, indicam que termos um Censo de qualidade, nesta edição, é utopia.
Costuma-se dizer que quando se quer privatizar ou destruir alguma coisa no serviço público é só retirar verba. Esta ´receita` está sendo posta em prática, fielmente, para a realização do Censo 2022. Inegavelmente, funcionou e não ficaremos sabendo de muitas informações que seriam necessárias nestas eleições. Os resultados deste recenseamento terão aplicação, pelo próximo governo, quando as eleições de 2026 estiverem na pauta.
Comunidade
Em outros setores, estes desvios de finalidade e procrastinações tem surtido efeito, e tem sido perverso. Por exemplo, a saúde e a educação dependem de alocação de recursos em função destes dados censitários.
Um exemplo simples e de fácil entendimento. Se nascem 30 crianças por ano em um setor censitário, significa que a atenção à saúde deve ter profissionais de saúde disponíveis na área. Além disso, é possível afirmar que, dali a 5 anos, ao menos uma sala de aula nas proximidades, deverá estar disponível. Se o cidadão brasileiro não entende a importância do recenseamento a partir deste exemplo, não entendeu o que é viver em comunidade.
Recenseador
Como se não bastasse, os problemas de ordem político-financeira, temos uma certa incompreensão do trabalho do recenseador. Não apenas sob a ótica do recenseado, mas também sob a ótica daquele que se propõe a ser recenseador. É inquestionável que uma grande massa de interessados deveriam querer o trabalho, mesmo que temporário, o que não ocorreu. Nem o pagamento por domicílio visitado tem exercido motivação adicional ao recenseador. Sinal dos tempos?
Muitos estariam qualificados para trabalhar, inclusive nos seus próprios setores censitários. Surpreendentemente, houve menos contratações que as necessárias, existem problemas de remuneração e o IBGE resolveu adiar a finalização do Censo. Verifica-se, em todo o país, diversos domicílios que sequer tiveram a visita, e nem terão, de um recenseador.
O descaso do Poder Executivo Federal, e a falta de colaboração das esferas estadual e municipal, podem colocar sob risco, um trabalho necessário.
Projeto de Governo
No Brasil, o recenseamento atual é feito com dois tipos de questionário. O questionário básico com 26 perguntas, aplica-se a quase todos os domicílios. O questionário de 77 questões, identificado como ” de amostra“, tem aplicação em, aproximadamente, 11% dos domicílios.

Recenseamento – Reprodução pordentrodorn.com.br
Desta forma, o Censo no Brasil, que já era um dos menores e mais restritos do planeta, vai se tornando menor e menos qualificado. Parafraseando Darcy Ribeiro: a destruição do Censo no Brasil é um projeto de governo, e tem dado resultados.
Em suma, é impossível evoluir se um tema como o Censo não tem a compreensão e apoio por todos os habitantes do país.
A quem interessa um Censo precário e com muitos defeitos e lacunas?
Lamentavelmente, o que vemos nas redes sociais é o preconceito, irracionalidade e intolerância só de constar no Censo alguns itens. Ver que perguntas sobre temas polêmicos sofrerem censura, por questões de dogmas e políticas, é o fim.
Abram as portas das suas casas e suas mentes, o futuro de seus filhos depende disso. O Censo 2022, assim como todos os processos de recenseamento, são um assunto de Estado.
(1) “Censo demográfico do Brasil de 1872“
(2) “LGPD, a que foi sem nunca ter sido“
(*) FUD é acrônimo (do inglês) Fear, Uncertainty and Doubt, normalmente aplicado por quem quer gerar medo, incerteza e dúvida nas pessoas.
Imagem: Reprodução IBGE – Recenseamento com indígenas
Nota do Autor
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