Decálogo da Impunidade
Com toda a certeza, esta data nos mostra que a impunidade sobre crimes contra a coletividade é recorrente no Brasil. Assim sendo, mais um ano e apresentamos um decálogo da impunidade de um crime ambiental e contra a vida humana.
Um ano atrás eu escrevia: “Os últimos 7 anos foram, pelo menos pra mim, muito tristes. No mês de novembro, sobretudo no dia 5, os últimos anos têm sido difíceis.”
Desde que escrevi o texto no ano passado, só coleciono as notícias e o desânimo para escrever outros textos. Por outro lado, em alguns momentos, ações que parecem ser uma evolução, nos motivam a escrever. Contudo, a falta de esperança aparece e deixamos de lado.
Como se não bastasse, a luta dos mineiros sofre desvios contra a privatização, contra a entrega de outros minérios consome nossas forças.
Acidente ou Crime?
Uma barragem operada pela Samarco, localizada no município de Mariana (MG), rompeu-se no dia 5 de novembro de 2015. Deixou um rastro de 19 mortos (um corpo ainda sem localização) e um eterno pesadelo para muitos habitantes da região.
A mineradora, estava sob controle da Vale (Multinacional de origem brasileira, privataria) e BHP (mineradora de origem australiana).
Surpreendentemente, a resistência humana não é suficiente para que culpados sofram indiciamento. A esperança de que, se sofrerem condenação, vão cumprir pena na cadeia é igual a zero.
Nesse ínterim, a empresa responsável e suas controladoras pagam seus advogados para prolongar a desgraça que causaram.
A cada dia 5, desde que comecei com este Blog, escrevia um texto sobre o crime de Mariana. A princípio, o propósito era não deixar-me levar pela horda de gente passiva e estulta que ignora o tema. A minha indignação crescia muito mais e recrudesce, uma vez que muita gente nem se lembra mais.
Portanto, estes textos são um ínfimo apoio e tributo à resiliência daqueles que ainda resistem e sobrevivem.
Em outras palavras, a motivação desta trilha tem a ver com a forma que a mídia e a patuleia “esqueceram” do crime. Nunca foi um acidente natural, como pode acontecer com outras barragens. Foi um crime que se repetiu com Brumadinho, em maior escala e com mais mortes.
Muito rapidamente o crime de Mariana e suas vítimas ficaram em desamparo, e muitos continuam em desalento até esta data. Chegou-se ao cúmulo de parte dos que sofreram com o crime, culparem as vítimas, e os acusarem de abusar da Samarco. Surpreendentemente, o decálogo da impunidade repete-se para as vítimas de Brumadinho, mudando somente as coordenadas geográficas.
NÃO FOI ACIDENTE !!!
A Tragédia
O crime de Mariana, em novembro de 2015, resultou em uma série de graves consequências ambientais e humanas. Poderíamos, com toda a certeza, relacionar algumas dúzias de situações que demonstram o desprezo das mineradoras. Como se não bastasse, o Poder Público tem as suas omissões que aumentariam o decálogo da impunidade.
Dez Fatos
Assim sendo, apresentamos apenas dez dos principais fatos que demonstram a indiferença e o descaso contra a vida humana:
- Rompimento da Barragem de Fundão: O rompimento da barragem de Fundão foi o gatilho para o desastre. Houve a liberação de quase 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre o meio ambiente e as pessoas.
- Vilarejos destruídos: Várias comunidades, incluindo Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, tiveram destruição completa, deixando centenas de pessoas em condições deploráveis.
- Vítimas fatais: O desastre causou a morte de 19 pessoas, deixando um rastro de tristeza e luto dos parentes, amigos e vizinhos.
- Impacto ambiental massivo: A lama de rejeitos contaminou o Rio Doce, provocando um desastre ecológico que ainda afeta ecossistemas aquáticos por centenas de quilômetros.
- Deslizamento de lama tóxica: A lama continha metais pesados tóxicos, como chumbo e mercúrio, representando um perigo para a saúde humana e o meio ambiente.
- Demora na resposta: A resposta inicial das empresas teve demora na adoção de medidas eficazes para conter o desastre e auxiliar as vítimas.
- Falta de fiscalização adequada: Houve falhas na fiscalização ambiental, sugerindo a conivência das autoridades responsáveis.
- Litígios e impunidade: As empresas mesmo sofrendo acusações legais e comprováveis não pagaram pelos crimes, o que sugere que a impunidade prevalece.
- Ameaça à subsistência local: Muitas comunidades dependiam da pesca e agricultura local, atividades com prejuízos devido a contaminação da água e do solo.
- Legado de longo prazo: Oito anos após o desastre, muitas áreas ainda enfrentam problemas ambientais e de saúde, e a reconstrução das comunidades se esvai.

Reprodução: MPF
Opinião Pública
A opinião pública, assim como a mídia nacional e internacional, relegaram o crime de Mariana a um segundo plano, por um crime maior. O Brasil tem certa especialização, com a cumplicidade da mídia , em criar fatos novos para encobrir crimes contra a coletividade.
Publiquei muitos textos, a partir de notícias e decisões do Poder Público (Ministério Público etc.) que justificam a ideia de imunidade.
Por exemplo, cito três textos que demonstram o descaso dos acusados principais (Samarco, Vale e BHP), além do Poder Público.
- “Não foi Acidente – Lições não aprendidas“-
- “Não foi Acidente – O crime do século“
- “Não foi Acidente – O escárnio“
Poderiam ser muitos mais a demonstrar a crueldade dos criminosos impunes e seus apoiadores. Contudo, vários textos saíram da condição de “ativos” e esperam correções ou atualizações. Na maioria dos casos, as atualizações não são no sentido de atenuar o conteúdo e sim de agravar o quadro.
Outros textos ainda estão no ar por pura teimosia e insistência deste autor que vos escreve.
Certamente, várias fontes jornalísticas e relatórios governamentais podem fornecer informações adicionais sobre todos esses fatos. De forma assustadora, o relatório da Fundação Renova (entidade criada para reparar os danos) esconde mais do que mostra. A cobertura da mídia sobre o incidente, como a da BBC Brasil, encontra-se no link BBC.COM.BR. É provável que seja menos parcial e mais completo do que a maioria da mídia tupiniquim.
Revida Mariana
As campanhas e movimentos das vítimas seguem pontuando o drama de milhares de pessoas. A campanha “Revida Mariana” defende, nesta semana, uma reparação para todos que sofrem desde 2015. Desde que a barragem rompeu, no Córrego do Fundão, até o litoral do Espírito Santo, as vítimas lutam.
A devastação que atingiu até o Oceano Atlântico, teve muito mais do que as 19 vítimas fatais.
É necessário que não somente as vítimas do crime de Mariana fiquem atentas. Sem dúvida, todos os brasileiros devem se posicionar sobre os crimes de Mariana e Brumadinho. Por isso, uma Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab) é crucial.
O poder público deve reconhecer o crime ambiental e contra as vidas não como uma tragédia, mas sim como uma negligência ampla. Como se não bastasse, o perigo ronda outras comunidades. Estudos indicam que as barragens de mineração no Brasil ameaçam pelo menos 700 localidades em 180 cidades de 15 estados da União.
Processos e Revolta
Processos como o que algumas prefeituras movem contra bancos dos EUA buscam recuperação financeira mas se preocupam pouco com vida humana. O estado de Minas Gerais é rico em minérios com alto valor em todo o planeta e estamos à mercê de governantes e goelas largas. As minas gerais estão entregues ou nas mãos do grande capital global exploratório e não tem retorno, nem com o surgimento de mais vítimas.
O decálogo da impunidade parece se repetir ou pode ter uma ampliação que passa longe da percepção da opinião pública. Do mesmo modo, o decálogo da impunidade reproduz-se nas privatizações, gestão das empresas públicas e malversação do patrimônio dos mineiros.
Enfim, estamos perdendo a guerra e existem mineiros em quantidade suficiente para mostrar aos legislativos e executivos nossa indignação.
Não esqueceremos !!!
Não nos calaremos !!!
Imagem: Mariana (MG) – Decálogo da Impunidade – Isis Medeiros
Nota do Autor
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