Entre Sem Bater - Evgeny Morozov - Terrorismo Digital

Entre Sem Bater – Evgeny Morozov – Terrorismo Digital

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento de muitos, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Em meio a guerras que usam drones, Evgeny Morozov soube prever os efeitos do “Terrorismo Digital“.

Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente.

As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

Evgeny Morozov

Com toda a certeza, este texto pode sofrer censura em algumas plataformas digitais ou até mesmo em alguns países. As pessoas acostumaram-se a pensar de acordo com as bolhas que mais lhe agradam. Por outro lado, pensadores como Morozov, que colocam as palavras terrorismo e terrorista em sua pauta política, são disruptivos. Poderíamos pegar muitas frases deste pesquisador e usarmos para explicar o que muita gente acha que entende, #SQN.

Evgeny Morozov nasceu em 1984 em Soligorsk, Bielorrússia. É um escritor, pesquisador e intelectual que estuda as implicações políticas e sociais da tecnologia. Ele foi nomeado um dos 28 europeus mais influentes pela revista Político em 2018. Morozov frequentou a Universidade Americana na Bulgária e viveu em Berlim antes de se mudar para os Estados Unidos. Os escritos de Evgeny Morozov apareceram em vários jornais e revistas ao redor do mundo, incluindo The New York Times, The Wall Street Journal, Financial Times, The Guardian, The New Yorker, Corriere della Sera, Times Literary Supplement, New Left Review, San Francisco Chronicle, Folha de São Paulo e Frankfurter Allgemeine Zeitung. Em 2013, Morozov fez doutorado em história da ciência em Harvard, com obtenção da titulação em maio de 2018. Morozov profere palestras em diversos espaços e desenvolve atividades de ensino e mentoria Em julho de 2023, Morozov naturalizou-se cidadão italiano.

Fonte: Wikipedia (inglês)

Terrorismo Digital

A palavra terrorismo tem acepções diferentes dependendo da cultura de uma sociedade e de seus dogmas. Quando implementamos o sufixo “digital” ao termo, criamos mais algumas possibilidades que fogem ao senso comum. Desta forma, os pensamentos de Morozov simbolizam o perigo de ignorarmos os riscos de uma pandemia binária. Notadamente no contexto da fé cega em soluções tecnológicas, como na criptografia assimétrica, o terrorismo aumenta. Existe, em ambientes tecnopolíticos, a prática do FUD(*), que consiste em gerar o medo, a incerteza e a dúvida. Esta práxis ganhou muito espaço nas mentes fracas e que anseiam aceitação de grupos e influenciadores.

O terrorismo digital avança e muitas das coisas não são obra do acaso. Enquanto autoridades europeias procuram justificar ou explicar o apagão na Península Ibérica, a epidemia pode virar pandemia.

O novo vírus não tosse — ele compartilha

Durante a pandemia de COVID-19, aprendemos a temer os espirros alheios. Medmos a distância entre corpos e a higienizar tudo o que nos cercava. Máscaras se tornaram comuns como uma roupa íntima que usamos. Passamos a reconhecer o outro como potencial vetor, e a convivência social, por um tempo, ficou de quarentena. Era um vírus invisível, mas plenamente identificável: um RNA que se replicava por contato. Foi terrível, mas, de certo modo, compreensível.

Agora, vivemos outra pandemia. Uma que não causa febre, tosse ou perda de olfato. Uma que não se espalha pelo toque ou pelo ar. Mas que se propaga com muito mais eficiência. Ela entra pela retina, escorre pelas telas e teclados, se aloja nas redes sociais — e compartilha.

O nome desse novo surto global não consta nos boletins epidemiológicos. Mas seus sintomas estão por toda parte. Podemos chamá-lo — o novo surto silencioso — de pandemia binária(1).

Um vírus sem corpo

Diferente dos vírus biológicos, o vírus da pandemia binária não se move sozinho e nem tem um corpo. Ele alimenta-se e evolui pelo comportamento humano, pelas estruturas digitais que usamos sem pensar. Como se não bastasse, avança através das escolhas de design feitas por plataformas, cujo poder ultrapassa o de muitos Estados.

Este vírus, de códigos binários — 0s e 1s — se replica por meio de mensagens, cliques, algoritmos, bots e padrões invisíveis. Ele não compromete órgãos humanos, mas sim a cognição de cada ser humano. Ele não destrói células, mas sim consensos e a racionalidade ou capacidade de evoluir através do debate.

Vivemos cercados por tecnologias que prometem segurança, como a criptografia assimétrica. Esta tecnologia, cujos pares de chaves garantem que nossos dados trafeguem de forma segura, é “quase” inviolável. Mas quanto mais dependemos dessas ferramentas, mais vulneráveis nos tornamos àquilo que não conseguimos ver. O quem e o por quê por trás da arquitetura digital nem mesmo a maioria dos profissionais de TI consegue perceber.

A pandemia binária é silenciosa porque somos cúmplices do seu silêncio. Nós a alimentamos cada vez que clicamos sem pensar ou que aceitamos cookies, sem saber o que é um cookie no mundo digital. Surpreendentemente, quando buscamos a resposta mais rápida em vez da mais reflexiva, alimentamos o terrorismo digital.

A doença do excesso de certeza

Se a COVID-19 nos mostrou o perigo da proximidade física, a pandemia binária expõe um perigo ainda mais insidioso. A proximidade intelectual que exige-se das pessoas de mente fraca é a doença do milênio. Algoritmos moldam nossas certezas com tamanha precisão que já não distinguimos o que pensamos do que pensam por nós.

O feed e as bolhas convenientes se transformam num espelho. O pretenso diálogo que nos agrada vira confirmação e o contraditório vira inimigo. Não há máscara que proteja contra a polarização e, inquestionavelmente, não existe vacina que impeça a replicação de ideias ruins.

Assim sendo, o mais assustador é que já estamos contaminados antes mesmo de perceber. Como no conceito de “Zero Day”, o vírus aloja-se no sistema informacional desde o primeiro contato. Uma vulnerabilidade que ninguém pensa existir, e não se trata de puro terrorismo, antes que qualquer defesa seja possível.

A certeza da maioria das pessoas é a de que não se precisa de uma vacina para um vírus que não existe. Na cabeça da maioria das pessoas que preferem as bolhas é de que se ela não conhece, não existe. É a ideia da fé e que abunda os grupos das redes sociais como se fosse resolver problemas políticos, tecnológicos ou econômicos.

Criptografia e Fé

Criptografia assimétrica é uma das maiores invenções da era digital. É um sistema em que uma chave privada codifica a mensagem e apenas a chave pública identifica o autor. É a base do que chamamos de segurança digital de criptografia de chaves públicas. Utilizamos, por exemplo, para o sigilo bancário, troca de e-mails, comunicações sensíveis, transações em blockchain.

Entretanto, toda fé cega em soluções técnicas cria uma nova fragilidade, como alerta o pesquisador Evgeny Morozov:

“A obsessão com a eficiência técnica obscurece os problemas morais e políticos mais fundamentais.”
(Evgeny Morozov, To Save Everything)

Em suma, estamos tão preocupados em proteger os dados que esquecemos de proteger a verdade. A tecnologia se tornou uma nova religião — seus engenheiros, os novos profetas. E toda crítica ou ceticismo fica parecendo heresia, sandice ou distopia.

Certamente, nem toda criptografia salva, nem todo blockchain liberta e muito menos todo código é neutro. O terrorismo psicológico que professam através da, condenando ao inferno, não tem nada de neutro.

Contágio e Efeitos

Um vírus que não provoca uma tosse ou pigarro (em seu absoluto silêncio) é, sem dúvida, aparentemente inofensivo. Mas ele desorganiza eleições, sabota sistemas de saúde, instala dúvidas nas instituições e molda o imaginário coletivo. As narrativas distorcem e reprogramam, sem que percebamos, os termos do debate público e nossas mentes.

A COVID-19 colapsou Unidades de Tratamento Intensivo no mundo inteiro. A pandemia binária colapsou consensos e uma UTI agora pode ser palco de lives. A primeira matou seres humanos em quantidade absurdamente insana. A segunda, assassina convicções, vínculos e, talvez, a ideia de realidade de humanos.

Enquanto o vírus biológico gerava medo, o binário se disfarça de conveniência. Ele oferece personalização, velocidade e precisão — tudo o que desejamos. Mas ele cobra caro: a substituição da reflexão pelo automatismo, imediatismo e ignorância.

Resistência

Como resistir ao vírus que compartilhamos diuturnamente?

Os dilemas são muitos e a ideia de resistir e enfrentar predomina sobre a ideia de prevenir.

Embora muitos não acreditem, existem vacinas, e ainda há caminhos alternativos.

É provável que, mesmo com possíveis vacinas digitais, o pensamento crítico talvez seja o anticorpo supremo da era digital. O tempo de leitura — aquele mesmo que você dedica agora a este texto — é um antídoto contra o vício da velocidade.

Precisamos restituir o valor do desacordo e do debate honesto, sem hipocrisia. Devemos reaprender a desconfiar e sermos mais céticos, inclusive de nossas próprias certezas. Relembrar que a ambiguidade não é sinônimo de fraqueza ou derrota ideológica, mas uma força cognitiva poderosa.

Outrossim, precisamos cobrar transparência dos sistemas que nos governam invisivelmente. Criptografia, IA e outros avanços tecnológicos, sim, mas acompanhada de auditabilidade, ética e regulação democrática.

Por fim, devemos cultivar uma nova higiene: a mental. Questionar antes de compartilhar, reler antes de responder e desconectar para respirar.

O novo vírus não tosse

A pergunta que não quer calar é: Por quê o vírus da pandemia binária não tosse?

É muito simples, não tosse porque está no link que viralizou sem fonte e sem verificação. Porque está naquele infográfico que confirma as crenças de cada um de nós ou no vídeo que emociona, mas edita a realidade.

Não tosse porque ele não é um código que aciona um hardware, mas um contexto.

Ele não se cura com remédio, mas com consciência.

E se a pandemia binária já começou — como tudo indica — então cabe a nós não apenas sobreviver a ela. Assim sendo, devemos impedir que ela destrua o que resta do nosso comum: o pensamento, a conversa, a convivência.

Palavrinha Final

Este texto teve como motivação os eventos sinistros na Península Ibérica de algumas horas atrás. Milhões de pessoas com privação de energia, água, luz e alimentos. Uma correria para qualquer lugar que seja menos assustador. Adicionalmente, me inspirei em fatos e eventos em que atuei, recentemente e que aqui apresento.

Case “O Livro dos Códigos”

Ganhei um livro em papel de nome “O Livro dos Códigos” de Simon Singh. Embora o tema seja meu objeto de estudo e trabalho dos últimos 25 anos, é sempre bom rever ideias e propostas das pessoas. Recomendo a leitura para que as pessoas entendam um pouco do mundo digital e da segurança da informação.

Case “Como sem sal”

Numa reunião profissional que tratava de plataformas digitais disruptivas, abordei a questão da segurança e criptografia. Um dos profissionais, ao ouvir sobre quebra de segurança criptográfica disse: “Como sem sal“. Esta expressão, assim como outras, são peculiares a determinadas áreas de conhecimento. Em outras palavras, é como dizer: não acredito e engulo tudo, sem sal, se isso for verdade. Se por um lado o ceticismo é bom, por outro lado, a fé em dogmas é o começo do fim.

Case “Jamie Oliver”

Assisto a muitas séries e documentários nas plataformas de streaming. A mais impactante sob a ótica do mundo distópico em que vivemos é a série “Black Mirror”. Recomendei um episódio do documentário “Chef´s Table – Lendas” sobre Jamie Oliver para conhecidos. Nenhuma das pessoas que recomendei deve ter dado atenção, senão fariam algum comentário. É o reflexo do “… não me venham com fatos ou opiniões divergentes, pois já possuo opinião definitiva …”

Definitivamente, o terrorismo digital e a manipulação mental(2) são implacáveis e aniquiladoras.

 

Amanhã tem mais … 

P. S.

(*)  FUD (acrônimo do inglês Fear, Uncertainty, Doubt) é uma tática de propaganda manipulativa. Em outras palavras, uma estratégia para influenciar a percepção por meio da disseminação de informações negativas, duvidosas ou falsas. Aplica-se em atividades de vendas, marketing, relações sociais, política, pesquisas e cultos, em suma, uma falácia.

(1)Pandemia Binária – O Zero Day

(2)Entre Sem Bater – Aldous Huxley – Manipulação Mental

 

Imagem: Entre sem bater – Evgeny Morozov – Terrorismo Digital

Nota do Autor

Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.

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