Entre Sem Bater - George Orwell - Mentira e Hipocrisia

Entre Sem Bater – George Orwell – A Mentira e a Hipocrisia

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento de muitos, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Atribui-se a George Orwell um pensamento sobre o “engano universal” ou a “Mentira” como hábito global. Demorou, mas vivemos, atualmente, o sonho de Orwell é realidade, com viés de tragédia com lente de aumento.

Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente.

As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

George Orwell

Orwell tem uma história curiosa e com facetas inimagináveis. Surpreendentemente, não se chamava George, não tinha sobrenome Orwell, nasceu na Índia e travou batalhas inimagináveis. Dentre inúmeras frases e pensamentos(*), alguns não são possíveis de verificar, mas bem que poderiam ser da lavra dele. Como se não bastasse, aplicam-se, surpreendentemente, cada vez mais, enquanto afundamos nas redes sociais.

Eric Arthur Blair (25 de junho de 1903 – 21 de janeiro de 1950), era mais conhecido por seu pseudônimo George Orwell. Foi um romancista, ensaísta, jornalista e crítico inglês. Seu trabalho é caracterizado por prosa lúcida, crítica social, oposição ao totalitarismo e apoio ao socialismo democrático. Orwell produziu crítica literária, poesia, ficção e jornalismo polêmico. Sua novela alegórica Animal Farm (1945) e seu romance distópico Nineteen Eighty-Four (1949) são referência mundial. Escreveu The Road to Wigan Pier (1937), documentando sua experiência de vida da classe trabalhadora no norte industrial da Inglaterra. Bem como Homage to Catalonia (1938), um relato de suas experiências como soldado da facção republicana de a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ambas as obras, da categoria não-ficção, são tão respeitadas pela crítica quanto seus ensaios sobre política, literatura, língua e cultura.

Fonte: Wikipedia (Inglês)

Mentira ou Hipocrisia?

Em primeiro lugar, devemos tentar diferenciar e alinhar conceitos de mentira e de hipocrisia, e como travestem-se nas redes sociais. Assim sendo, temos que desagradar muitos leitores com ideias básicas que podem parecer enfadonhas. Contudo, a maior irritação virá quando, no decorrer da leitura, alguns se identificarem com as ações e a práxis. Fica o alerta, não gosta de se olhar no espelho, leia com atenção, releia, e reflita. Não pegue nenhuma carapuça e não saia atirando à esmo.

Mentir(1) virou um ato “normal” para os mentirosos(2) e todos os seus seguidores. A insanidade com que alguns temas surgem e proliferam nas redes sociais está começando a me assustar.

Definições simplistas

Mentira
  • Ato de afirmar algo falso sabendo que é falso, com intenção de enganar.

  • Envolve uma relação direta com a verdade e sua distorção.

  • Exemplo: alguém diz “eu estava em casa“, sabendo que estava em outro lugar.

Hipocrisia
  • Ato de fingir possuir virtudes, crenças, sentimentos ou qualidades que não se tem.

  • Tem menos a ver com a verdade objetiva e mais com a conduta pessoal e a coerência entre discurso e prática.

  • Exemplo: alguém que prega a honestidade mas engana nos próprios negócios.

Diferenças Filosóficas

Outrossim, é preciso entender que as palavras mudam de sentido e uso em função de cultura e evolução da sociedade. No caso da mentira e da hipocrisia, a situação na sociedade moderna e em culturas como no Brasil, a coisa saiu de controle.

Desse modo, grosso modo, sem nenhum rigor acadêmico ou científico, podemos, no popular, expor algumas diferenças. Vai doer, viu?

Mentira Hipocrisia
Relação com a verdade A verdade é negada diretamente. A verdade é instrumento ou distorção por omissão ou fingimento.
Intenção moral Enganar os outros sobre os fatos. Enganar os outros sobre a própria moral ou caráter.
Alvo da distorção O conteúdo da fala (os fatos). A imagem de si mesmo (autorrepresentação moral).
Autoconsciência O mentiroso sabe que mente. O hipócrita pode até se enganar a si mesmo (autoengano).
Ética Condenada por Kant: mentir destrói a confiança. Condenada por Nietzsche: hipocrisia é moral de rebanho, falsa virtude.

Casuísmos e Filosofia

Mentiroso sem ser hipócrita:

Um espião, jornalista, influencer ou congênere pode mentir por necessidade estratégica. E, desta forma, sem alegar moralidade superior, faz parecer uma opinião ser verdade. Eles sabem que estão mentindo e, em muitos casos, não pretendem parecer virtuosos (influencers, vocês não!).

Hipócrita sem mentir explicitamente:

Um político, pastor ou influencer, que pregam austeridade, mas vivem em luxo pessoal e ostentação é comum. Podem até não mentir integralmente, são experts em meias-verdades. E, como se não bastasse, vivem a contradição implícita entre discurso e prática — essa dissonância os define como hipócritas.

Assim temos um dilema e que, quando colocamos em contraposição com conceitos filosóficos, acentuamos a mentira e a hipocrisia.

Filósofos

Dizem que a teoria, na prática, é diferente. Muitos pensamentos populares e chavões “justificam” a hipocrisia, a mentira e a incoerência. Vejamos então, algumas ideias e pensamentos de filósofos:

Immanuel Kant (século XVIII)
  • Considerava a mentira moralmente inaceitável em qualquer situação. Para ele, a veracidade é um dever absoluto.

Friedrich Nietzsche (século XIX)
  • Enxergava a hipocrisia como um dos maiores males da moralidade cristã e burguesa. Criticava o “homem de bem” que vive de aparências e convenções morais que não pratica de fato.

Michel Foucault (século XX)
  • Explorou a produção de verdades nos discursos sociais. Pode-se associar a hipocrisia a um “jogo de poder” em que o sujeito constrói uma imagem ideal de si mesmo para manter status.

Muitos outros pensadores trataram o tema, muitos livros tratam o tema e, atualmente, as pessoas não conseguem ler além de 280 caracteres. Em suma, todo mundo tem opinião formada, a partir de manchetes e dancinhas, e a mentira ganhou o mundo à velocidade da Luz.

Verdade em Extinção

Inquestionavelmente, na atualidade e com estas redes sociais, a mentira virou moda, e a hipocrisia é uma regra normal. E a verdade… bem, essa está cada vez mais fora de cena — não por falta de importância, mas por excesso de concorrência desleal.

As redes sociais transformaram a realidade num palco, onde a aparência vale mais do que o conteúdo, e a coerência inexiste. Curtir e compartilhar é, sem dúvida, tudo que importa, e quanto mais rápido, melhor.

A diferença entre mentir e ser hipócrita parece sutil, mas é profunda e avassaladora.

Mentir ou dizer meias-verdades é distorcer distorcer os fatos — você sabe que está dizendo algo refutável, e diz mesmo assim. É uma ação contra a verdade ou pelo menos uma versão dos fatos sem direito a resposta ou contraposição.

A hipocrisia, por outro lado, é a distorção de si. Você finge ser algo que não é, e, com efeito, adota um discurso do que o narrador não vive. As narrativas vestem, com toda a certeza, a máscara da virtude para esconder o rosto da conveniência.

DNA das Redes Sociais

Sócrates viveu em tempos de outros enganos, outras mentiras e pouca hipocrisia. Dizia ele: “a pior coisa que pode acontecer a alguém não é sofrer com o engano, mas se tornar um enganador”. Para ele, a mentira corrompia a alma de quem a profere.

Já Maquiavel, sempre pragmático, sabia que parecer virtuoso poderia ser mais eficaz do que realmente ser. Afinal, “os homens julgam mais pelos olhos do que pelas mãos”. Em outras palavras, a imagem vence o caráter no tribunal da opinião pública.

Atualmente, a lógica e a práxis da mentira e da hipocrisia está no DNA das redes. Nas timelines, a mentira viraliza com facilidade e a uma velocidade estonteante, sem atalhos para retornar. Quanto mais absurda, mais compartilhamentos uma postagem ganha. A verdade, que exige tempo, contexto e reflexão, raramente conquista o mesmo engajamento. A mentira provoca, e os algoritmos adoram monetizar com a provocação sem reflexão.

Nesse ínterim, a hipocrisia… reina em silêncio, com ares de sinceridade, amizade e camaradagem. É mais sutil, mais estratégica. Não busca polêmica — busca admiração, aceitação, compadrio, cumplicidade. Prega, adicionalmente, a empatia, sustentabilidade, respeito, justiça e outras virtudes — enquanto age no sentido oposto.

Quem nunca viu alguém se declarar “do bem” num post bonito com musiquinha, e agir de forma mesquinha fora da tela? O problema é que, com o tempo, muitos acabam acreditando na própria encenação.

Revolucionários

Nietzsche já alertava: o pior tipo de hipocrisia é aquela que engana o próprio hipócrita.

Quando isso acontece, qualquer crítica externa tem tratamento de injustiça ou abuso — e a máscara vira rosto. Orwell enxergou esse processo como um perigo coletivo: quando a mentira se normaliza e a hipocrisia vira política oficial. Desta forma, é “normal” que a verdade passe a parecer subversiva e quem a pratica seja um revolucionário.

Hoje, ser verdadeiro nas redes não é só raro — é ser revolucionário é uma ameaça para farsantes e enganadores. Não porque seja heroico ser revolucionário, mas porque exige coragem para ser imperfeito. Certamente, não maquiarmos a vida real, não posarmos de sábios e muito menos de santo ou de vítima, seja revolucionário. Sem dúvida, admitir que erramos, mudamos e aprendemos é disruptivo e totalmente fora da curva normal da sociedade digital.

Enquanto isso (ser revolucionário, verdadeiro e realista) não acontece, continuamos no teatro virtual e real. Mentimos com memes e compartilhamentos. Somos hipócritas em nossos perfis com edições primorosas. Nossas indignações seletivas, nossos posicionamentos que duram uma semana, sem dúvida, rendem mais likes. A coerência virou artigo de luxo — e a verdade, um animal em extinção.

Entretanto, ainda existem guetos e rincões em que comportamentos revolucionários persistem. Fora do feed de sucesso, na conversa honesta, no gesto e ações simples e naturais, sem exibicionismo. No silêncio de quem prefere viver o que acredita, mesmo sem aplauso. Na coragem de quem, como Sócrates, escolhe ser íntegro em vez de parecer correto. Na lucidez de quem entende que imagem alguma vale mais do que a própria consciência em paz.

A Virada?

E talvez esse seja o ponto de virada: parar de usar a verdade como estratégia, e voltar a tratá-la como valor. Não por purismo, mas por necessidade. Certamente, se continuarmos confundindo likes com virtude, e performance com caráter, não saberemos quem somos. E, afinal, não saberemos diferenciar o espelho de uma tela de computador ou de uma ficção distópica.

Em suma:

  • Mentir é deturpar os fatos.

  • Ser hipócrita é deturpar a si mesmo.

  • A mentira é um ato linguístico e factual, enquanto a hipocrisia é um ato moral e performático.

  • A mentira precisa de palavras; a hipocrisia pode operar apenas com gestos, aparências e, notadamente, omissões.

 

Amanhã tem mais … 

P. S.

(*)  O pensamento (frase-chave) deste texto é provável que seja um aforismo. As crônicas “Entre Sem Bater” deste mês experimentam e ativam algumas questões sóciocomportamentais. É, sem dúvida, um espaço privilegiado para identificar leitores (em quantidade e qualidade). Adicionalmente, através de ferramentas específicas, nos permite um quadro geral de como estamos avançando, ou não.

(1)Entre Sem Bater – Adélia Prado – Mentir Um Pouco

(2)Entre Sem Bater – Epicteto – Os Mentirosos

 

Imagem: Entre sem bater – George Orwell – A Mentira e a Hipocrisia

Nota do Autor

Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.

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