Entre Sem Bater - Chico Buarque - Calabar

Entre Sem Bater – Chico Buarque – Calabar

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Falar de um personagem histórico como “Calabar” era crime durante a ditadura, mas Chico Buarque é um artista acima da média.

Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.

As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

Chico Buarque

Chico Buarque deveria, numa sociedade normal, dispensar apresentações. Contudo, a  sociedade brasileira, especialmente de uns dez anos para cá, não é uma sociedade de gente normal. E, como escrevi no texto “Sem Retorno(1), não dá para corrigir nada, simplesmente não tem volta. Chico Buarque de uma maneira inspiradíssima, escreveu “Cala a boca, Bárbara“. A letra, contudo, não significa nada para a maioria das pessoas que está em faculdades e não sabe ler e interpretar. Como se não bastasse, é impressionante o ciúme de decrépitos quando o nome de Chico Buarque aparece, #queFASE !

Francisco Buarque de Hollanda (Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944), mais conhecido como Chico Buarque, é um cantor, compositor, violonista, dramaturgo, escritor e ator brasileiro. É considerado por muitos críticos o maior artista vivo da música brasileira. Sua discografia conta com aproximadamente oitenta discos. Escreveu seu primeiro conto aos 18 anos, ganhando destaque como cantor a partir de 1966, quando lançou seu primeiro álbum, Chico Buarque de Hollanda; Venceu o Festival de Música Popular Brasileira com a música “A Banda”. Exilou-se na Itália em 1969, devido à crescente repressão do regime militar do Brasil nos chamados “anos de chumbo“, tornando-se, ao retornar, em 1970. Foi um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização no país. Além da notabilidade como músico, desenvolveu ao longo dos anos uma carreira literária, sendo autor de peças teatrais e romances. Foi vencedor de três Prêmios Jabuti: o de melhor romance em 1992 com Estorvo e o de Livro do Ano, tanto pelo livro Budapeste (2004), como por Leite Derramado, (2010). Em 2019, foi distinguido com o Prémio Camões, o principal troféu literário da língua portuguesa, pelo conjunto da obra.

Fonte: Wikipedia (Português)

Calabar

Podemos afirmar que aquele(a) que não sabe da história, corre o risco de falar ou escrever muita merda. Nossa sociedade tupiniquim elevou à condição de epistemólogo qualquer néscio. Chico Buarque e Ruy Guerra escreveram  “Calabar: o elogio da traição(*). Eu era um pré-adolescente e não podia passar nem na porta de alguns teatros (peças infantis não me interessavam mais).

Calabar é o nome próprio de um sujeito com história atípica. É provável que fosse descendente de um português e uma escrava ou índia. Entretanto, servia aos portugueses, e com o domínio espanhol, traiu os lusos e bandeou-se para o lado dos holandeses. É disso que a história e a peça teatral falam, de traição.

Desse modo, a ditadura vigente no país, proibiu a peça teatral por causa da menção a Calabar (o personagem). Os militares de plantão entendiam que não se podia vilipendiar a memória de alguém que defendeu a coroa e o regime. Daí surgiu a letra da música e o nome Calabar ficou “escondido” no título e refrão.

Cala a boca !

Vivemos tempos estranhos, muitos que defendem a censura, como no caso de uma peça teatral, agora defendem liberdade de expressão. Surpreendentemente, estes néscios e vestais saem em defesa de gente que atira para matar ou que é preconceituoso. Os episódios e narrativas se sucedem e constatamos, assustados, que temos racistas e preconceituosos até dentro de casa.

O que mais assusta em todo este processo de sociedade digital que busca muitos direitos e afasta deveres e respeito é a empáfia. Agora temos a polarização nas entranhas de uma área que não deveria, o humor e comédia. Aliás, a palavra comédia deixou suas origens na Grécia para ser adjetivo desqualificador de gente estúpida.

A canção “Cala a boca, Bárbara”, de Chico Buarque, carrega em sua estrutura um jogo sutil de palavras. A interpretação da letra revela muito sobre o Brasil dos anos de chumbo, quando a censura era a norma. Mostra que a expressão artística se fazia nas entrelinhas, metáforas e silêncios ensurdecedores.

A música tinha como objetivo driblar a censura que o regime militar ditatorial exercia. A palavra original, “Calabar”, referência a Domingos Fernandes Calabar transmutou-se. Calabar foi ambivalente, ora traidor, ora herói, segundo a perspectiva ideológica e não podia ter nenhuma citação. Desta forma, vemos um refrão ou uma repetição insistente e desconcertante: “Cala a boca, Bárbara”.

Tempos Estranhos

Anteriormente, na ditadura, a regra era para calar a boca e não reclamar, nadica de nada. Atualmente, a regra é falar o que quiser, mentindo ou não, e evocar a tal liberdade de expressão.

Naquele contexto, a força do Estado atuava diretamente sobre a linguagem. A censura prévia decidia o que podia ou não ir a público, o que poderíamos ouvir, ver e ler. O artista, para sobreviver, precisava se esconder por trás de jogos semânticos, paradoxos, ou criar códigos clandestinos. Desta forma, só os atentos, com muita leitura e qualificação, podiam decifrar.

A palavra “Calabar” tinha proibição explícita, não apenas pela força da lei, mas por uma política de imposição do medo. Uma política de controle de mentes e corações, que determinava quais narrativas eram admissíveis.

Passadas algumas décadas, vivemos, paradoxalmente, uma situação oposta, mas igualmente perigosa. No ambiente da sociedade digital, das redes sociais, não há mais a figura do censor estatal a decidir o que se pode ou não dizer.

Ao contrário, vive-se a ilusão de que tudo pode se dizer, tudo podemos escrever, sem consequências.

O “Cala a boca” deu lugar ao “Falo o que quiser”, com o viés de proteção do princípio da liberdade de expressão. Antes as palavras sofriam autocensura, para escapar da violência do Estado. Atualmente, elas são uso amplo e irrestrito,  como armas, prontas para reforçar mentiras, incitar o ódio e reforçar preconceitos.

Liberdade de Expressão

Enquanto Chico Buarque precisava esconder “Calabar” para não ficar em silêncio, atualmente o mundo das redes sociais é outro. Hoje em dia muitos, talvez milhões, escondem as intenções perversas sob o pretexto de liberdade de opinião e expressão.

A mentira(2)  — atualmente fake news — prolifera nas redes com uma velocidade avassaladora. Inquestionavelmente, confunde e desorienta muitos, contaminando o debate público e comprometendo qualquer democracia. Como se não bastasse, quem propaga notícias falsas ou faz piadas politicamente incorretas, se defende alegando ser mera opinião. Em outras palavras, afirmam que é uma forma de expressão legítima e inviolável de pensamento.

Contudo, há uma diferença crucial entre liberdade de expressão e discurso de ódio, entre opinião e mentira. A liberdade de expressão, como valor fundamental em sociedades democráticas, visa proteger a diversidade de ideias e o livre debate. Entretanto, esse direito não é absoluto e encontra limites justamente quando sua prática ameaça outros direitos fundamentais. Por exemplo, quando qualquer “liberdade” atinge a dignidade humana, a segurança, a igualdade ou o direito de alguém, é crime.

Desse modo, o discurso que promove o racismo, a homofobia, o sexismo ou qualquer outra forma de discriminação, são crimes. Assim como a propagação intencional de informações falsas que podem causar danos concretos à sociedade. Enfim, não de pode confundir um exercício legítimo de liberdade com opinião e ação que ataca outras pessoas ou setores da sociedade.

Ditadura e Liberdade de Expressão

Na época da ditadura, a censura buscava anular discursos que ameaçassem a ordem e o progresso, a seu modo. Esses discursos eram, inquestionavelmente, apenas manifestações artísticas ou críticas políticas legítimas. A ausência de regulação eficaz nas redes, atualmente, permitiu o surgimento de novos censores: os algoritmos. Estes sofrem a manipulação de humanos e amplificam conteúdos virais, independentemente de sua veracidade. Assim sendo, hordas de usuários, com seus perfis anônimos ou falsos, promovem linchamentos virtuais e destroem reputações. Adicionalmente, atacam sistematicamente qualquer um que se oponha a suas crenças ou interesses, temos a censura em vertigem.

Da censura à distorção

Nesse novo cenário, a censura não é mais a supressão explícita de palavras como “Calabar“. Outrossim, vemos a manipulação do discurso por meio de práticas até cruéis. Temos, por exemplo, as normalidades, hoje, como: 1) o assédio virtual, 2) a desinformação e 3) a cultura do cancelamento seletivo.

As palavras não sofrem mais proibição, sofrem distorções, outras acepções ou perdem o sentido literal, até explodirem violentamente. Não se cala a voz, mas se sufoca a verdade em meio a uma cacofonia ensurdecedora.

A repetição obsessiva do verso “Cala a boca, Bárbara” traduz-se, atualmente, como um símbolo de resistência e denúncia. Deveria representar a tentativa de calar, de impor o silêncio, mas poucos sequer ouviram a música, preferem letras obscuras. Chico e tantos outros artistas da época souberam subverter a censura, transformando a proibição em arte, a mordaça em metáfora. Nos dias atuais, o desafio é outro: desmascarar aqueles que, sob o discurso da liberdade, disseminam o ódio e a mentira. Por outro lado, está impossível desmascarar estes áulicos, e restaurar o sentido ético da palavra pública.

Não te cales, Bárbara !

Portanto, se na ditadura foi preciso esconder o nome de Calabar, hoje é preciso expor com clareza e responsabilidade tudo que nos cerca. As mentiras, os preconceitos e as manipulações que circulam livremente nas redes sociais estão fora de controle. A liberdade de expressão segue como um pilar essencial. Desse modo, para que seja plena e legítima,  ela precisa estar junto a muita responsabilidade, ética e compromisso com a verdade. O desafio contemporâneo não é calar a voz, mas tentar qualificar o discurso e cessar as narrativas.

Ao final, a lição que permanece, evocada pela música, é que há sempre algo por trás do que se diz — ou do que se cala. A censura explícita ou a permissividade irresponsável são, em ambos os casos, faces de uma mesma moeda. Ou seja, da tentativa de controlar, deformar ou aniquilar a potência transformadora da palavra. Conseguiram !

 

Amanhã tem mais … 

P. S.

(*)  “Calabar: o elogio da traição” (1973) é o título de uma peça musical de teatro musical, com edição em livro da editora Civilização Brasileira.

(1)Entre Sem Bater – Fernando Pessoa – Sem Retorno

(2)Entre Sem Bater – George Orwell – A Mentira e a Hipocrisia

 

Imagem: Entre sem bater – Chico Buarque – Calabar

Nota do Autor

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