Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” (← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento de muitos, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. A falácia de que “somos todos iguais” cai por terras, por exemplo, quando Blaise Pascal fala das “Pessoas Comuns“.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Blaise Pascal
Reproduzir e escrever sobre frases de mentes brilhantes, como Pascal(*), além de difícil, não pode ser em textos curtos. Assim sendo, que me desculpem aqueles apressadinhos e que só querem saber dos 280 caracteres ou menos. Assim como Pascal escreveu sobre convicções religiosas(1) e as maldades humanas, ele falou sobre as pessoas comuns. Todas estas expressões, aparentemente simples, carregam muita filosofia e sabedoria.
Blaise Pascal ( 19 de junho de 1623 – 19 de agosto de 1662 ) foi um matemático, lógico, inventor, filósofo , físico, teólogo e escritor católico francês. Pascal foi uma criança prodígio educada por seu pai, um cobrador de impostos em Rouen. Seu primeiro trabalho matemático foi sobre seções cônicas. Escreveu um tratado significativo sobre o assunto da geometria projetiva aos 16 anos. Mais tarde, escreveu sobre a teoria da probabilidade, influenciando fortemente o desenvolvimento da economia moderna e das ciências sociais. Em 1642, ainda adolescente, iniciou alguns trabalhos pioneiros em máquinas de calcular (chamadas calculadoras de Pascal). Atribui-se a ele a concepção de um dos dois primeiros inventos de cálculo mecânico. Como seu contemporâneo René Descartes, Pascal também foi um pioneiro nas ciências naturais e aplicadas. Pascal escreveu em defesa do método científico e produziu vários resultados controversos.
Fonte: Wikipedia (inglês)
Pessoas Comuns
O termo que faz referências às pessoas comuns foi alvo de diversos pensadores e filósofos.
Schopenhauer disse:
“As pessoas comuns pensam apenas como passar o tempo. Uma pessoa inteligente tenta usar o tempo“.
Nietzsche, por outro lado, tratou o termo de maneira mais próxima de Pascal. Desta forma, ambos associaram a ideia de generalizar as pessoas comuns, no geral, como um equívoco.
“Os jovens amam o que é interessante e estranho, não importa quão verdadeiro ou falso seja. Mentes mais maduras amam o que há de interessante e estranho na verdade. Intelectos plenamente maduros, por fim, amam a verdade, mesmo quando ela parece clara e simples, entediante para a pessoa comum; pois perceberam que a verdade tende a revelar sua sabedoria suprema sob a forma de simplicidade.”
Pessoas Inteligentes
Blaise Pascal escreveu afirmou sobre a capacidade dos de maior intelecto verem originalidade nas pessoas comuns. Já Nietzsche, séculos antes das redes sociais, identificou que os mais jovens amam apenas o que é agradável e sedutor”.
Ambas as sentenças, embora aparentemente distintas, convergem para um mesmo ponto. Inquestionavelmente, a capacidade de ver além das aparências e da superfície é um atributo raro. E essa maturidade — composta de experiência, reflexão e autoconhecimento — define que não existem pessoas comuns. Estes chavões ou acepções toscas são um disfarce pobre, de néscios, para uma complexidade infinitamente rica.
As pessoas mais maduras, costumam se afastar de paralogismos como generalizações apressadas, que tanto seduzem os jovens. A juventude, naturalmente impulsiva, busca categorias, rótulos e identidades fixas como forma de organizar o mundo. Esse comportamento, a princípio, não parece um defeito, mas um estágio de construção do ser humano. Contudo, o problema surge quando essa urgência de classificar se transforma em filtros e barreiras. Assim sendo, é possível caracterizar este comportamento humano, atualmente comum, como preguiça mental(2). Surpreendentemente, para o jovem, o diferente ainda é o “outro”, enquanto para o maduro, o diferente é o real. No entanto, devemos ter o cuidado de não caracterizar tudo isso como uma questão etária, pois não é.
Sabedoria e Inteligência
Os mais novos tendem, com toda a certeza, a ver o “povo”, o “homem comum”, o “cidadão médio” como blocos monolíticos. A maturidade, por outro lado, ensina que esses blocos são ilusórios e quase indecifráveis. Ninguém é inteiramente comum, pois toda existência é única e marcada por vivências, dilemas, decisões e contextos únicos. Podemos mencionar, por exemplo, o pedreiro, a atendente do mercado, o carteiro do bairro. Certamente, todos têm histórias, traumas, memórias e epifanias que não se encaixam em moldes estatísticos ou generalizações.
Pascal, ao afirmar que os mais inteligentes percebem mais originalidade nas pessoas comuns, toca num ponto vital. A percepção da singularidade alheia é diretamente proporcional à profundidade do nosso olhar e pensamento. O que se vê depende da lente com que se observa, que carrega muita experiências e sabedoria. Um espírito raso verá repetição onde um espírito profundo verá nuances, um espírito fraco(3) não vê nada.
É por isso que a sabedoria não está apenas em acumular conhecimento, mas em refinar a sensibilidade. Ver o extraordinário no ordinário é um sinal de inteligência emocional e filosófica. E isso só vem com o tempo — ou com uma rara predisposição para a leitura e contemplação.
Agradável e Sedutor
Nietzsche, por sua vez, alerta para o perigo da superficialidade estética. Busca-se, ainda hoje, de forma infantil — aquilo que é “agradável e sedutor”, em detrimento do que é “estranho e interessante”. O estranho, aqui, não é o bizarro, mas aquilo que nos desafia, que resiste às categorias fáceis e ao senso comum.
O verdadeiro, na visão de Nietzsche, não é o que nos conforta, mas o que nos confronta e incomoda. Assim, o estranho e o interessante são faces da autenticidade: aquilo que nos obriga a sair da zona de conforto. Sendo assim, considerar que o mundo — e as pessoas — são muito além do que entendemos até agora, uma transgressão.
O amadurecimento, portanto, é também uma jornada de aprendizagem constante e evolutiva. Desaprender, reaprender e aprender fórmulas fáceis, dicotomias simplistas e revisar preconceitos. A sabedoria nasce quando compreendemos que os rótulos são mapas, não territórios; são úteis em certos contextos. Entretanto, não devem substituir o esforço genuíno de conhecer as pessoas comuns em sua totalidade. Com o passar dos anos, não raramente, as pessoas devem rever julgamentos antigos e perceber seus enganos. Certamente, não por ter uma má intenção, mas por ter cometer um paralogismo — aliás a marca registrada da juventude.
Tempos Estranhos
Curiosamente, essa mesma maturidade que ensina a ver a singularidade das pessoas comuns também traz uma dificuldade. O sábio não se sente acima dos outros, mas entre eles, e não recebe a compreensão de todos. Ele reconhece que a linha entre o genial e o banal, o forte e o frágil, o sensato e o insensato, é tênue. Transitamos neste território pantanoso o tempo todo e em todas áreas do conhecimento. A vida é um campo de tensões, e ninguém escapa disso, mas ficou absurda a posição de haters contra os que mostram conhecimento. Desse modo, surgem açodamentos e respostas no lugar de se escutar, e observar. A experiência ensina que aquilo que parece simples quase sempre esconde camadas de complexidade.
As implicações dessa visão mais madura são de uma vastidão assustadora, gerando até inimizades e rancores pueris. Num tempo de polarizações, cancelamentos e julgamentos instantâneos, reconhecer a riqueza do “comum” é revolucionária.
Valorizar o que é diferente — não apenas o exótico, mas o discretamente único — é uma forma de resistência à massificação. E essa resistência não é barulhenta, mas silenciosa. Ela acontece no modo como escutamos alguém e no tempo que damos para compreender um gesto, sem expectativa de reciprocidade.
Velocidade não é tudo
Em um mundo que corre na velocidade da fibra ótica, o maduro caminha num link de modem analógico. No mundo atual em que um grito e uma musiquinha vomitam verdades, o maduro silencia. E são essas e outras posturas que permite a ele encontrar originalidade onde outros veem mesmice.
Não se trata de idealizar a maturidade como um estágio perfeito — todos somos falhos em todas as fases da vida. Entretanto, devemos reconhecer que o tempo, com bom aproveitamento, nos torna mais aptos a perceber o ser humano. E Schopenhauer sabia disso.
Portanto, se há algo que os anos nos ensinam, é que não existe “gente comum”. Há apenas pessoas que ainda não tiveram a atenção suficiente para mostrarem suas qualificações. A maturidade é, talvez, essa escuta que se aprofunda. Uma escuta que vê, uma visão que sente, um sentimento que pensa. Como diria Pascal, só quem tem olhos refinados vê a originalidade do mundo. E como lembraria Nietzsche, só quem ama o estranho é capaz de tocar o real.
Pessoas Comuns – Black Mirror
O episódio “Pessoas Comuns” (Nosedive), da série Black Mirror(*), retrata uma sociedade distópica e atual. Na ficção, cada indivíduo tem avaliação constante de seus pares, com base em interações cotidianas. Desse modo, sorrisos, postagens, modos de falar e outros, geram uma pontuação social que define o acesso a bens e serviços. Em outras palavras, até relacionamentos surgem com base em superficialidades e generalizações.
Nesse universo distópico, as pessoas vivem em função da aparência e da aprovação alheia. Por isso, conformam-se com padrões artificiais de comportamento para obter notas, likes e aprovações. Desta forma, as pessoas comuns criam uma obsessão por essas validações, pertencimentos e aceitações.
Essa realidade virtual se conecta diretamente à reflexão de Blaise Pascal. Não se veem nuances, complexidades ou originalidades, apenas “gente” ou “grupo”. O episódio reforça, por exemplo, a crítica pela busca constante por aceitação e pertencimento que levam à anulação do indivíduo. Assim sendo, qualquer desvio de comportamento pode resultar em exclusão ou punição social.
Mediocridade em Alta
No mundo atual, essa lógica não é distante. As redes sociais criaram bolhas de pertencimento onde importa o “ser aceito”. Likes, muitos seguidores e tendências geram uma pressão contínua por conformidade. Aqueles que destoam, que ousam ser diferentes ou sinceros, viram marginais. A maioria se adequa — repete os mesmos discursos, as mesmas poses, os mesmos julgamentos — como forma de autopreservação.
Essa homogeneização tem um preço alto: a mediocridade coletiva se fortalece enquanto a originalidade individual se enfraquece. A inteligência, como sugere Pascal, percebe diferenças e valoriza o que é singular. Contudo, esse olhar exige profundidade, empatia e coragem — atributos raríssimos numa cultura de performance social.
Assim, a sociedade atual, como a do episódio, está presa a uma estrutura com vícios e sem retorno. Prevalece a busca por aceitação entre as “pessoas comuns”, alimentando uma mediocridade crescente. E, paradoxalmente, quanto mais as pessoas se igualam para pertencer, menos humanas e mais artificiais se tornam. Libertar-se dessa lógica talvez exija o mesmo colapso vivido no episódio: uma quebra, uma perda, uma queda.
Enfim, somente assim, eventualmente, a verdade e a consciência, ainda que desconfortáveis, podem emergir.
“Amanhã tem mais …
P. S.
(*) Primeiro episódio da sétima temporada, é uma ficção distópica, mas que retrata casos que podem ser reais.
(1) “Entre Sem Bater – Blaise Pascal – A Convicção Religiosa”
(2) “Entre Sem Bater – Liz Hurley – Preguiça Mental”
(3) “Entre Sem Bater – Giordano Bruno – Espíritos Fracos”
Imagem: Entre sem bater – Blaise Pascal – As Pessoas Comuns
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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