Eli Pariser é um jovem pensador que podemos considerar um ponto fora da curva da sua geração; são raros. Um ativista da Internet, que pode chamar para si a autoria do conceito de bolhas, mas especificamente “bolhas de filtro”. Suas ideias sobre o que e como a sociedade digital está se comportando, são lapidares. Entretanto, mesmo que ele possa falar diretamente para sua geração, ele não consegue romper as bolhas digitais.
Eli Pariser (nascido em 17 de dezembro de 1980) é um autor, ativista e empreendedor. Pariser afirmou que seu foco é “como fazer a tecnologia e a mídia servirem à democracia”. Ele se tornou diretor executivo da MoveOn.org em 2004, onde ajudou a ser pioneiro na prática de engajamento cidadão online. Ele é o cofundador do Upworthy, um site para conteúdo viral significativo, e da Avaaz, uma organização global de cidadãos. Seu livro best-seller, The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You, introduziu o termo “bolha de filtro” no léxico.
Fonte: Wikipedia (inglês).
Bolhas
O termo “bolha” popularizou-se de maneira recente e incorporou-se ao vocabulário das gerações mais novas. Contudo, a palavra teve sua adaptação, a princípio, pelo sentido de isolamento social. Posteriormente, a metáfora sociológica ganhou conotações críticas de mídias e expandiu-se no mundo digital. Em suma, da origem chegou ao contexto do mundo digital e consolidou-se com as malditas redes sociais.
Desse modo, podemos dizer que as bolhas existem em quatro fases de nossa vida contemporânea, quais sejam:
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Metáfora social pré-Internet → viver “numa bolha” = proteção/isolamento da realidade.
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Aplicação acadêmica e filosófica (Sloterdijk e outros) → bolhas como espaços de exclusividade sem relação com o mundo externo.
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Contexto digital (anos 2010) → Eli Pariser cunha o termo “filter bubble” (2011).
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Amplificação global → redes sociais, algoritmos e polarização política consolidam o uso popular do termo.
Sentido Social
A princípio, a ideia de “bolha” como espaço de isolamento vem de uma metáfora física: uma bolha de sabão. É um objeto transparente, fácil de criar, com isolamento, onde quem está dentro vê o mundo, mas sem contato real com ele. Aparentemente, bastaria a vontade da pessoa para estourar a bolha e se livra dela, #SQN.
O uso do termo ocorre em textos filosóficos e sociológicos desde o século XX.
Peter Sloterdijk, filósofo alemão, por exemplo, publicou em 1998 o livro “Esferas I: Bolhas”. Na obra ele descreve a bolha como metáfora de espaços fechados e de convivência restrita.
Anteriormente, em sociologia e psicologia, já se usava a metáfora de “living in a bubble” (viver em uma bolha). Sua utilização indicava que alguém tinha proteção ou isolamento da realidade (anos 1960–70, nos EUA). Durante muitas décadas, pais tratavam, e ainda tratam, os filhos pequenos como se vivessem em bolhas, protegendo-os do mundo cão.
Mundo Digital
A partir de 2011, com o livro “The Filter Bubble” de Eli Pariser o termo se tornou central no debate sobre Internet. Pariser argumenta, com efeito, que algoritmos de plataformas criam um ambiente informacional “personalizável”. Em outras palavras, o usuário recebe apenas conteúdos que reforçam suas visões pré-existentes. Desta forma, temos as bolhas indestrutíveis, que impedem o contato com opiniões divergentes e ampliam a polarização.
O ambiente, na década anterior, era majoritariamente nas listas de discussão e blogs, hoje em desuso. Podemos dizer, sem dúvida, que ainda existia alguma esperança, pois as pessoas escreviam mais e até argumentavam. Entretanto, o Twitter, que teve sua explosão no final dos anos 2000, e seus 140 caracteres, jogou as esperanças no lixo. A horda de ignorantes e sem assunto resolveram aderir massivamente àquela plataforma/app e o fim ficou próximo.
Consolidação
A explosão de redes sociais, com suas mensagens curtas e instantâneas, fez surgir o que denominamos, atualmente, redes sociais. Desta forma, o idiota da aldeia, como disse Umberto Eco, ganhou palanque e voz. Como se não bastasse, se este idiota tem muito dinheiro, ele compra a plataforma. Por outro lado, se ele é muito esperto, transforma-se em influenciador e ganha muito dinheiro de otários e neófitos.
Logo após a definição do conceito de bolha, a força no discurso público, especialmente na polarização política foi enorme. Surpreendentemente, foi avassaladora e inquebrável em eventos como
- Eleições presidenciais nos EUA em 2016 (Donald Trump)
- Processo do Brexit no Reino Unido.
- Protestos e campanhas políticas no Brasil de 2013 a 2014
Desse modo, acadêmicos de comunicação e mídia passaram a usar “bolha” como sinônimo de câmara de eco. Uma espécie de curral onde se uma ovelha balir, as demais reproduzem em uníssono. Por isso, a situação ficou muito pior, a câmara de eco é ensurdecedora e repetitiva, e o mundo exterior não interessa.
Alerta sobre as Bolhas
Por mais que alguns pensadores e críticos da sociedade digital avisassem, a bolha não quebrou, mesmo com seu frágil conteúdo.
Alguns alertas sobre comportamentos isolacionistas e bolhas comportamentais da sociedade:
“O recuo para nossas próprias bolhas… especialmente nossos feeds de redes sociais, cercados por pessoas que se parecem conosco e compartilham a mesma visão política, e nunca desafiam nossas suposições… E cada vez mais, nos sentimos tão seguros nessas bolhas que passamos a aceitar apenas informações, sejam verdadeiras ou não, que se encaixem nas nossas opiniões, em vez de basear nossas opiniões nas evidências.” Barak Obama (Ex-presidente dos EUA)
“… redes sociais podem se tornar um silo de conteúdo fechado, com risco de fragmentar a web global, ou seja, transformá-la em um Betonbunker (bunker de concreto digital), onde quanto mais você entra, mais fica preso …” Tim Berners-Lee (Pioneiro na Web)
“… nossas opiniões tendem a se polarizar. As próprias redes permitem que nos agrupemos em câmaras de eco com audiências semelhantes,” reforçando o efeito da bolha do filtro de Pariser …” Jonathan Haidt (Psicólogo Social)
Inquestionavelmente, à partir das visões acima, podemos depreender que o comportamento tóxico nas bolhas não diminuiu. Não sou eu que estou dizendo ou inventando uma versão da realidade. Cada um vive na sua bolha e fica pior quando vemos bolhas individualistas que querem que os outros respeitem. Em suma, gente que vive na sua bolha ou em bolhas coletivas inexpugnáveis, não dá para levar a sério, mas são indestrutíveis.
Indestrutíveis
Este texto, assim como tantos outros, visa alertar as pessoas que estão nas bolhas do cotidiano. Não interessa a editoria (política, futebol, religião etc.), bolhas são o que são, e sua gente torna-se uma espécie pior. Em outras palavras, se quem manda nesses teleguiados é gente ruim, os que os seguem são piores. E, para tornar tudo muito ruim, essas pessoas influenciam outras com mentiras, falácias e fake news. Assim, estes grupos de interesse (só veem e ouvem aquilo que querem), são ignorantes ao extremo. Entretanto, a forma como as bolhas de diferentes vieses – sim, existem bolas de diversos matizes – confundem forma e conteúdo.
Homens Banais
Hannah Arendt cunhou uma frase que não é da época das redes sociais e estas bolhas. Contudo, seu pensamento se encaixa como uma luva de látex em qualquer corpo humano bípede. Os homens banais(1) estão no comando das mentes fracas.
Arendt analisou o totalitarismo e a banalidade do mal num contexto social preocupante. A fragilidade da esfera pública e a substituição dos fatos por narrativas convenientes são, atualmente, um fato. Para ela, a verdade factual deveria ser o alicerce da política, o que não acontece atualmente. Destacava em suas ideias que quando os fatos apresentam distorções, abre-se espaço para a manipulação.
Neste sentido, podemos trazer para nossos tempos associando às bolhas digitais.
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As bolhas digitais reforçam o que Arendt via nos regimes autoritários. Com toda a certeza, uma massa que prefere crenças confortáveis a fatos incômodos.
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O perigo não é apenas a mentira consciente, mas a indiferença generalizada à realidade, aquilo que ela via como a “morte da esfera pública”.
Quando temos um grupo de pessoas que consideram um texto do tal Guzzo (da Revista Oeste) como uma obra-prima, é o fim. E quando comentamos algo contra a visão do elemento numa bolha, somos denunciados e bloqueados. A bolha é inquebrável e as mentes obnubiladas.
O Discurso
É provável que Foucault, por maior fosse a sua capacidade epistemológica, não imaginaria as redes sociais da atualidade. Entretanto, Foucault se interessava pelos dispositivos de poder. Temas como prisões, escolas, hospitais, discursos, estatísticas, saber médico, psiquiátrico etc., eram comuns. Para ele, o poder não é apenas repressivo, mas produtivo, cria “realidades” e molda sujeitos. Seu pensamento sobre o poder do discurso(2) era lapidar e aplicável ao que denominamos, atualmente, como narrativas.
Desta forma, não é nenhum absurdo se associarmos seu pensamento ao mundo das bolhas e narrativas.
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As bolhas seriam uma versão digital dos “dispositivos disciplinares”. Os algoritmos que vigiam, recompensam com likes e punem com o ostracismo ou isolamento.
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O que chamamos de “opinião pessoal” nas bolhas não passa de um reflexo de discursos “aceitáveis. Podemos dizer que é aquilo que Foucault chamaria de “regime de verdade”.
Assim sendo, quando você tentar mostrar alguma visão diferente, dentro de uma bolha, sofrerá ataques. Estas pessoas que seguem homens banais e preferem narrativas, não são pessoas que pensam. As redes sociais e as bolhas pariram uma geração de tolos.
Geração de Tolos
Infelizmente, esta geração de tolos está em todos os lugares. Na sua escola, na sua família, no seu trabalho, nos templos. E em cada um destes espaços, cria-se a ilusão do “… meu mundo, minha bolha …”, tipo um “minha casa, minha vida”. Um mundo irreal até a casa cair. E, quando alguns dos textos que publico e que preconizam este ruir de ideias, nem adianta dizer “eu avisei”.
Numa analogia muito interessante, tive familiares que aderiram ao movimento dos Colloridos. Eram ferrenhos e acreditaram nos discursos (não existia o termo narrativa). Mesmo depois de tudo ruir, ainda insistiam que tudo era obra de comunistas, vermelhos, ateus e coisas do gênero. O déjà-vu está aí, só não vê ou enxerga quem não quer.
E a dificuldade da sociedade digital entender o que tudo isso tem a ver com democracia é assustadora. Podemos questionar se, de fato, <ironic mode ON> nossa sociedade está evoluindo?
Senão vejamos, para o leitor que conseguiu chegar até aqui.
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“O resultado de uma substituição consistente da verdade por mentiras não é que as mentiras passem a ser aceitas como verdade, mas que o sentido pela verdade factual seja destruído.” Atualmente é algo como: “Não importa se é fake news: o importante é se viralizou dentro da minha e noutras bolhas.”
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“Sob condições de totalitarismo, a mentira mais flagrante pode prevalecer, contanto que não seja desmentida pelo mundo como ele é.” → Atualmente é exatamente assim: “Na bolha, o mundo como ele é não importa, importa o meme que reforça minha crença.”
Enfim, muitos dos leitores, em suas bolhas individuais e coletivas preferem o “não quero saber de fatos, tenho opinião formada…”. Ou pior, “não tenho tempo para ler e-mails ou posts com mais de 280 caracteres …”. Também existem os que dizem: “… você ainda usa blog, só tenho perfil no Insta …”. Ou o que se acha mais inteligente: “… não tenho perfil na plataforma Z pois lá só tem post que não gosto …”. Continuo, desde o século passado, habitando todas as redes sociais que me aceitam, de “A a Z”, e até gosto quando me expulsam de algumas.
E assim caminha a humanidade …
“Amanhã tem mais …
P. S.
(*) Sociedade Digital é todo aquele que, de posse de um smartphone ou acesso à Internet, se julga parte integrante. Embora esta classificação coloque bilhões de pessoas nesta sociedade, poucos a comandam. Os maiores comandantes desta sociedade são os algoritmos(3) e não esta ou aquela pessoa. Este texto não é para toda a sociedade digital ler, e muitos que começarem a ler, não vão conseguir chegar ao final. É fato !
(3) “Entre Sem Bater – Yuval Noah Harari – Os Algoritmos”
Imagem: Entre sem bater – Eli Pariser – Bolhas Indestrutíveis