Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Esqueçam completamente o que um dia foram as “Narrativas” como era à época de Bernardin de St. Pierre, contudo a ideia dele sobrevive.
Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.
As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Bernardin de St. Pierre
Jacques-Henri é daqueles personagens da história que estão como reencarnação em muitos dos epistemólogos de rede social. Sua frase reflete, sem dúvida, o que pensam os orientadores midiáticos de hoje em dia. As pessoas nas redes sociais são, em sua maioria, ouvintes assíduos das narrativas inúteis dos grandes e poderosos. Perdemos !
Jacques-Henri Bernardin de Saint-Pierre (também chamado Bernardin de St. Pierre ) (19 de janeiro de 1737, em Le Havre – 21 de janeiro de 1814, em Éragny, Val-d’Oise ) foi um escritor e botânico francês . Ele é mais conhecido por seu romance de 1788, Paul et Virginie, um clássico muito popular da literatura francesa do século XVIII. Saint-Pierre foi um ávido defensor e praticante do vegetarianismo, e embora fosse um cristão devoto também foi fortemente influenciado por intelectuais da era do Iluminismo como seu mentor Rousseau ou o pensador Voltaire.
Fonte: Wikipedia (Inglês)
As Narrativas
Transformação
A palavra narrativa(*) tem uma longa história, originalmente associada à arte de contar histórias, relatar eventos ou expressar experiências. Ao longo do tempo, as narrativas se tornaram, certamente, uma ferramenta na influência da percepção e compreensão coletiva dos acontecimentos. Por isso, nas redes sociais contemporâneas, testemunhamos uma transformação notável dessa palavra e suas derivações. De uma expressão da diversidade de histórias passou a ser uma ferramenta de manipulação, distorção e imposição de opiniões.
Originalmente, as narrativas eram a forma de comunicação do relato de fato, da ficção, mitos e diferentes pontos de vista. Contudo, parece que a frase de Bernardin de St. Pierre impregnou os neófitos das redes sociais. Em tempos de “big brothers” é assustador como as subcelebridades transformam-se em grandes e poderosos. Mas, igualmente como disse Bernardin de St. Pierre, estas narrativas continuam sendo inúteis.
Se antes as narrativas eram uma maneira de entendermos o mundo e compartilhar nossas experiências, hoje é pura narrativa ruim(1). Como se não bastasse o advento das redes sociais, as narrativas tornaram-se um terreno fértil para a batalha de tolices.
Batalhas Virtuais
Se, anteriormente, as narrativas eram uma opção de busca pela verdade ou ficção para entender o mundo, agora cedeu lugar às perspectivas particulares.
As redes sociais, inquestionavelmente, proporcionaram uma democratização da informação. Com toda a certeza, qualquer pessoa com acesso à Internet, pode compartilhar suas narrativas, histórias e opiniões. Todavia, essa democratização também trouxe consigo desafios significativos.
À medida que as plataformas evoluíram, percebemos uma tendência preocupante e que provoca verdadeiras batalhas virtuais. A transformação da narrativa é, atualmente, uma ferramenta de poder. Nas narrativas, a verdade transforma-se em prol da promoção de agendas pessoais ou de grupos.
Um dos principais catalisadores dessa transformação foi a ascensão das chamadas “bolhas de filtro” ou “câmaras de eco” nas redes sociais.
Algoritmos inteligentes alimentam o conteúdo que se alinha às preferências do usuário, criando realidades da polarização e das batalhas.
Assim sendo, as pessoas ficam mais susceptíveis e expostas a informações que confirmam suas crenças e dogmas preexistentes. Desse modo, cria-se um ambiente propício para a formação e propagação de narrativas unilaterais ou falsas.
Ser Viral
A insana busca por tornar qualquer opinião ou narrativa viral, assumiu papel significativo nesse processo de loucura e distopia coletiva.
Em um ambiente onde a atenção é um recurso valioso, as narrativas mais sensacionalistas e que provocam polarização espalham-se como um vírus. Por isso, uma narrativa de um fato, onde a precisão, a coerência e fidelidade deveria ser o foco, cede lugar à mentira(2). Desta forma, quase tudo que é em prol da visibilidade, da aceitação e do emocional toma conta das narrativas no mundo digital.
Além disso, as redes sociais têm o poder de amplificar vozes específicas, permitindo que grupos influentes imponham suas narrativas aos outros. Esse fenômeno é particularmente evidente em contextos políticos, onde a polarização cresce pela disseminação seletiva de informações. As narrativas de um grupo podem prevalecer sobre a verdade objetiva, alimentando a desconfiança e minando a integridade do discurso público.
A distorção da narrativa também tem enorme impulsão através do fenômeno das “fake news” e da desinformação ampla. Com a disseminação viral de informações nas redes sociais, manipula-se a percepção pública através de versões e não de fatos. As narrativas falsas objetivam influenciar a opinião pública, confundir os espectadores e promover agendas específicas.
Tempos Modernos
Enfim, os tempos modernos mudaram alguns personagens, mas a ideia de Bernardin de St. Pierre permanece bastante atual. Senão vejamos, as pessoas adoram seguir influenciadores com pouco ou nenhum conteúdo pelo “poder” que eles aparentam. Por outro lado, o conteúdo dessas subcelebridades é, cada vez mais, uma verdadeira inutilidade. Os exemplos estão aí, desde que começaram a remunerar essas pessoas pelas visualizações de seus seguidores e publicidade.
Outro aspecto a se considerar nestes tempos modernos e nestas narrativas é a desvalorização da expertise e da verificação de fatos.
Nas redes sociais, todos podem ser “contadores de histórias“, independentemente de sua competência ou conhecimento sobre o tema. Isso leva a um ambiente onde opiniões e narrativas pessoais frequentemente ganham mais destaque do que informações e evidências sólidas. A ideia de que todas as opiniões são igualmente válidas pode minar a busca pela verdade objetiva.
Por exemplo, se eu divulgar uma informação, os primeiros a comentarem dizem: – onde você ouviu isso. Logo após aparecem os “doutores” do Google refutando as coisas em função de gostarem ou não do que está escrito. Tornou-se muito comum, e a maioria das pessoas age assim, comentar em função do agente da comunicação, e não da narração.
Triste fim de uma sociedade que não aproveita as modernidades tecnológicas e não evoluiu o modo de pensar. Dar espaço, por exemplo, para narrativas e narradores que defendem a terra plana, não tem absolutamente nada de evolução humana.
Não tem retorno
Em suma, o caminho que estamos, rapidamente, trilhando, não tem a mínima possibilidade de retorno.
A polarização das narrativas trouxe sérias implicações na esfera social e comportamental. A demonização de pontos de vista opostos e as narrativas que dividem as pessoas em campos ideológicos antagônicos, veio para ficar. Surpreendentemente, tecnologias que deveriam contribuir para a cooperação e solidariedade, promovem a fragmentação da sociedade. Por isso, cada vez mais, o diálogo construtivo e a compreensão mútua saem de campo, dando lugar a hostilidade e a intolerância(3).
Com toda a certeza, a transformação da palavra “narrativa” reflete uma mudança fundamental na forma como nos comunicamos. O desafio agora é encontrar maneiras de equilibrar a liberdade de expressão(4) com a responsabilidade e inteligência. A hipótese de promover a diversidade das perspectivas sem sucumbir à manipulação e restaurar a confiança na busca pela verdade é o objetivo.
Por isso, é imperativo que as plataformas, os usuários e a sociedade como um todo estejam cientes dessas dinâmicas de narrativas. E, desse modo, que possamos trabalhar na tentativa de termos um ambiente digital de informação e respeito. E que, enfim, voltem as narrativas de fatos ou até mesmo as ficções, com a identificação de cada uma como realmente é.
“Amanhã tem mais …” narrativas e outras demonstrações de fatos e situações do cotidiano que nem todos conseguem ver.
P. S.
(*) A narrativa verdadeira, a exposição, a argumentação e a descrição, são quatro modos retóricos clássicos do discurso humano. Todos o resto é, sem dúvida, conversa pra boi dormir.
(1) “Madrasta da narrativa ruim”
(2) “Entre sem bater – Francis Bacon – A Mentira”
(3) “Entre sem bater – Montesquieu – A Intolerância”
(4) “Entre sem bater – Benjamin Franklin – Liberdade de Expressão”
Imagem: Entre sem Bater – Bernardin de St. Pierre – As Narrativas
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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