Entre sem bater - Fernando Pessoas - Sem Retorno

Entre sem bater – Fernando Pessoa – Sem Retorno

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Utilizar o pensamento de Álvaro Campos, na realidade Fernando Pessoa para demonstrar que a vida é “Sem Retorno“, é pertinente.

Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.

As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

Fernando Pessoa

Certamente, a maioria dos lusófonos já ouviu falar de Fernando Pessoa. Contudo, poucos sabem da história dele e a importância de seu trabalho na literatura e outras áreas do conhecimento. Muitos falam o idioma português e até repetem frases como se fossem de Fernando Pessoa. Entretanto, algumas frases não são dele e de nenhum de seus heterônimos, mas minha pátria é a mesma do poeta.

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, Mártires, 13 de junho de 1888 – Lisboa, Santa Catarina, 30 de novembro de 1935) foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português. Considerado por especialistas de sua obra como o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa de Durban, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como “Whitman renascido” e incluiu-o no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também da inglesa. Das quatro obras que publicou, três são na língua inglesa e apenas uma em língua portuguesa, intitulada Mensagem. Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês (e.g., de Shakespeare e Edgar Allan Poe) para o português, e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto e Almada Negreiros) para o inglês e o francês.

Fonte: Wikipedia (Português)

Sem Retorno

Álvaro Campos – um dos heterônimos de Fernando Pessoa, escreveu:

“Partir!
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.” (*)

A ideia do poeta lusófono pode parecer etérea, mas é uma realidade, nua e crua. A cada novo dia, deixamos o passado para trás, sem retorno, sem dúvida não existe caminho de volta. Desse modo, a cada ano que completamos de vida, não tem nada que possamos refazer, “nunca voltarei, porque nunca se volta“.

Nunca se tem volta

Em um recanto remoto do tempo, nasci, como todos os seres humanos, para enfrentar a jornada do que chamam de vida.

À medida que os anos se desenrolaram, percebi, com clareza cada vez maior, que a premissa “nunca se tem volta” é, inquestionavelmente, uma verdade. Fernando Pessoa expressou essa realidade de maneira poética inigualável. Assim sendo, reconheço que esta é a narrativa(1) da minha própria existência em toda a profundidade dessa estrofe poética.

Certamente, a vida é um fluxo constante, uma forte correnteza que nos carrega sempre para a frente, como os rios correm para o mar.

A ideia de partir é inevitável, e a ideia de retorno é uma quimera ilusória.

Recordo-me dos primeiros anos de vida, quando o mundo se aparecia diante de mim, numa mistura de maravilha e perplexidade. Cada dia era uma descoberta, um pequeno passo em direção ao conhecimento e avanço. No entanto, mesmo na inocência da infância, algo me dizia que não havia como recuar, que o passado era sem retorno.

Alguns eventos não me saem da memória como, por exemplo, o dia que tranquei a chave de um cadeado num lugar seguro. Meu pai pediu para guardar uma ferramenta em sua caixa, trancar o cadeado e guardar a chave num lugar seguro. Entendi tudo certo, só que fiz na ordem errada, coloquei a chave junto com as ferramentas, dentro da caixa e passei o cadeado. Quando meu pai perguntou onde estava a chave, voltei à caixa, ali, na infância, percebi o que era o “sem retorno”.

Lições e Aprendizagem

À medida que crescia, as experiências moldavam minha compreensão do mundo e de mim mesmo. Os amigos que fazia, os lugares que visitava, as lições que tentava assimilar – tudo contribuía para a transformação que eu vivia. Como uma metamorfose ambulante(2), tudo mudava e sem retorno de nada do que era antes.

No entanto, a certeza de que tudo na vida é “sem retorno” veio de imediato em conta-gotas. Foi se infiltrando em minha consciência como o crepúsculo gradual que anuncia a chegada da noite.

A princípio senti a verdade dessa assertiva ao me despedir da escola primária, um ambiente onde as amizades eram no presente. O destino destas amizades era desaparecer na névoa do futuro. E, décadas depois, estas previsões se confirmaram, as amizades nunca são as mesmas e as lembranças são vivas.

Aqueles que compartilharam risos, segredos e desafios compartilham agora as memórias distantes do passado. A “gare” e o bairro a que retornei não são mais os mesmos.

As pessoas seguiram caminhos diversos, lições, aprendizagens e histórias que, por mais que eu tente, jamais conhecerei por completo.

Amadurecendo

A adolescência trouxe consigo a verdadeira e mais profunda consciência da efemeridade da nossa existência.

Os primeiros amores, as paixões, tudo aponta para a inevitabilidade do afastamento, sem retorno dos inocentes momentos. Aqueles que um dia foram íntimos tornaram-se estranhos, as decepções e amarguras tornam-se reais, e o bairro, mais uma vez, era outro.

A maturidade, por sua vez, trouxe-me a compreensão de que o mundo gira e nunca mais cada giro será igual. Como se não bastasse, as relações interpessoais, as ideias, os valores e as convicções, deterioram-se com o tempo.

O que se acreditava com fervor na juventude transforma-se em reflexões na idade adulta. Embora esta idade adulta chegue em tempos muito diferentes para cada pessoa, alguns nunca a atingem na plenitude. Os pensamentos e ideais que moldaram minha visão de mundo ficaram sob uma luz diferente, uma luz que muda constantemente.

Não se pode voltar ao ponto de origem, pois o retorno implica numa regressão, e a natureza do tempo é progressiva. É como tentar alcançar a água que escorre entre os dedos – quanto mais se tenta agarrar, mas escapa. As “gares” que habitamos ao longo da jornada são estações em constante mutação. São como os trens da experiência que chegam e partem, deixando para trás apenas vestígios na memória.

Envelhecer(3) é preciso !

Nunca como Antes

Enfim, a constatação de que as pessoas nunca voltarão a ser as mesmas é um fardo pesado de carregar. Amigos de infância, amores perdidos, figuras familiares – todos se transformam, assim como eu próprio. A mutabilidade é a única constante, e aceitar isso é encarar a verdade nua e crua de que a vida é um processo irreversível.

No entanto, essa inevitabilidade é a realidade, cada momento é uma oportunidade de crescimento e evolução. Cada despedida abre espaço para novos encontros, cada mudança traz consigo a promessa de novas experiências. A vida é isso, novas descobertas e a compreensão que “nunca se tem volta” e nunca será como antes.

Cada Momento

Assim sendo, declaro que, sobretudo, não tenho a intenção de negar o passado ou renunciar às lembranças. Pelo contrário, reconheço a beleza efêmera de cada momento, sabendo que ele nunca se repetirá da mesma forma. As “gares” que deixamos para trás são testemunhas silenciosas de nossa evolução. Por isso, o que importa não é o local de onde viemos, nem o que aparentamos ser, mas para onde estamos indo.

À medida que contemplo as trilhas do passado, sinto-me grato pela jornada, pelas pessoas que cruzaram meu caminho e pelas lições que recebi. A “gare” do poeta, à qual nunca voltarei, é uma miragem distante, mas o horizonte à frente está repleto de possibilidades.

Seguirei adiante, consciente de que cada passo é uma contribuição única para a trama complexa da vida, que nem todos compreendem.

Assim sendo, abraço a verdade de que “nunca se tem volta”, pois é nessa aceitação que encontro a liberdade de viver plenamente. Com toda a certeza, sem o peso e os pesadelos do passado a me arrastar. A “gare” à qual me encaminho é, sem dúvida, um mistério, mas é na incerteza que reside a beleza da jornada.

E, afinal, não é na imprevisibilidade do futuro que encontramos a verdadeira essência da vida?

Infelizes daqueles que pensam que podem retornar ao que eram antes, sem dúvida, “Amanhã tem mais …” sem retorno.

P. S.

(*)  Trecho do poema “Là-bas, Je Ne Sais Où…” de Álvaro de Campos.

De forma coerente e consistente, este texto e as palavras de Fernando Pessoa indicam que a teshuvá não existe.

 

(1) “Entre sem bater – Bernardin de St. Pierre – As Narrativas

(2) “Entre sem bater – Raul Seixas – Metamorfose Ambulante

(3) “Entre sem bater – David Bowie – Envelhecer

 

Imagem: Entre sem Bater – Fernando Pessoa – Sem Retorno 

Nota do Autor

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