Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” (← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento de muitos, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. É provável que Michael Sandel esteja certo em muitas coisas, afinal conquistou muitas honrarias com seu “Mérito“.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Michael Sandel
Pode parecer o fim do mundo, entretanto, ver um estadunidense receber uma honraria de algum órgão de imprensa da China é incomum. Em outras palavras, o cara tem que ter algum mérito quanto se tem um reconhecimento(*) que poucos no planeta conseguem.
Michael Joseph Sandel (nascido em 5 de março de 1953) é um filósofo político americano e professor de governo, “Anne T.” e “Robert M. Bass” na Universidade de Harvard, onde seu curso Justiça foi o primeiro curso da universidade a ser disponibilizado gratuitamente online e na televisão. Foi visto por dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo na China, onde Sandel foi nomeado a “figura estrangeira mais influente do ano” de 2011 ( China Newsweek ). Ele também é conhecido por sua crítica de A “Theory of Justice” de John Rawls em seu primeiro livro, Liberalism and the Limits of Justice (1982). Ele foi eleito membro da Academia Americana de Artes e Ciências em 2002.
Fonte: Wikipedia (inglês)
Mérito
Quando filólogos inserem nos dicionários de cada idioma uma palavra é possível entender os motivos e explicações para a palavra. Adicionalmente, alguns idiomas cuidam de adotar, uma tradução racional ou como estrangeirismo. Uma questão importante neste enredo é saber a origem, sinônimos e decorrências de uma nova palavra. O detalhamento nos dicionários indica, na maioria dos casos, o mérito de uma nova palavra em um idioma.
Desse modo, a maioria das pessoas, inclusive alguns com nível cultural e educacional relativamente bom, caem em armadilhas inomináveis. Uma das maiores que presenciamos atualmente é com a palavra influenciadores(1). Outra, que já teve algum destaque, mas submergiu e caiu nos porões do obscurantismo é mérito que aliou-se à meritocracia.
Mérito é, sem dúvida, uma palavra que possui todos os atributos e explicações etimológicas para entrar num dicionário. Um substantivo masculino que designa alguém como merecedor de honrarias, prêmios e deferência. É explícito quando alguém recebe, por exemplo, um título “Honoris Causa” de alguma universidade sem ter sequer um diploma de nível superior.
Quando a palavra possui sinônimos, antônimos, sua formação remete à antiguidade, podemos admitir que faz muito sentido. Por outro lado, quando uma palavra surge com um significado obtuso, baseado em outro, sem antônimos e sinônimos, devemos acordar. Desta forma, podemos afirmar que mérito e meritocracia(2) não deveriam estar no mesmo dicionário, e nem na mente das pessoas.
Meritocracia
A princípio, dicionários são a melhor forma de evitar ruídos de comunicação entre as pessoas. Por isso, sinônimos, antônimos, etimologia são necessários para mitigação de erros e compreensão das palavras. Contudo, as redes sociais (sempre elas) deram um novo rumo para tudo em nossa sociedade moderna. Por exemplo, criaram os tais emoticons que podem exprimir uma coisa e, ao mesmo tempo, ser o contrário. Ou seja, se você é irônico, pode usar a mesma carinha, cada receptor da mensagem que se vire, e sempre podemos dizer: “tô zoando!“.
Significado de Meritocracia
substantivo feminino. Predominância dos que possuem méritos; predomínio das pessoas que são mais competentes, eficientes, trabalhadoras ou superiores intelectualmente, numa empresa, grupo, sociedade, trabalho etc. Modo de seleção cujos preceitos se baseiam nos méritos pessoais daqueles que participam: conseguiu o trabalho por meritocracia. Método que consiste na atribuição de recompensa aos que possuem méritos: O funcionário do mês por meritocracia. Etimologia (origem da palavra meritocracia). Mérito + o + cracia.
Definição de Meritocracia
Classe gramatical: substantivo feminino
Separação silábica: me-ri-to-cra-ci-a
Plural: meritocraciasFonte: Dicio.Com.Br
Não vejo, com toda a sinceridade, nenhum mérito no filólogo que colocou este termo nos dicionários. Que trabalho ruim !
O Problema
Desse modo, Sandel é ridículo ao dizer que “… o primeiro problema …” é a diferença de oportunidades e a realidade de todos. Surpreendentemente, as pessoas que estão lendo este texto vão dizer que sou arrogante ou petulante ao chamá-lo de “ridículo”. Entretanto, se assistem o narrador esportivo da TV entenderão um pouco a minha licença poética.
A meritocracia (“mérito” + “cracia” – do grego “kratos”, que significa poder), pressupõe um sistema que não existe em lugar nenhum. A atribuição de algum poder aos indivíduos, com base em suas realizações ou méritos pessoais, é autocracia ou coisa pior. No entanto, o conceito é problemático desde sua criação, pois carrega uma grave contradição fundamental. Associar “mérito” ao poder, ignora a complexidade das variações sociais, históricas e econômicas que influenciam as conquistas individuais.
Farsa
A ideia de uma “cracia do mérito” implica que o mérito é um recurso absoluto, com distribuição justa entre todos os indivíduos. Contudo, em sociedades onde predominam profundas desigualdades, como as nossas, o acesso aos recursos para igualdade inexistem. Assim sendo, para alcançar os méritos – como educação, saúde, moradia e oportunidades de trabalho – as portas possuem chaves.
Alguns farsantes conseguem abrir as portas com facilidade, por outro lado, a maioria nem arrombando em conjunto consegue abri-las.
A meritocracia, portanto, torna-se uma falsa promessa, pois presumimos que todos têm as mesmas condições para competir. Por isso a farsa é de que os resultados dependem exclusivamente do esforço individual. Ao ignorar esses contextos, o termo “meritocracia” transforma o mérito em um ideal abstrato. Em suma, nossa sociedade normalizou a incapacidade de contemplar a realidade da maioria das pessoas.
Falácia
A falácia da meritocracia começa, sem dúvida, na construção do termo, que tenta institucionalizar o mérito como uma justificativa de poder e privilégio. Ao fazer isso, oculta uma série de mecanismos que sustentam desigualdades preexistentes. A palavra “cracia” sugere um sistema justo e legítimo, mas, inquestionavelmente, privilegia quem já possui condições vantajosas.
O sistema da meritocracia promete recompensar habilidades e esforços, mas na verdade esconde o princípio de tudo. Em primeiro lugar, cuida de transformar privilégios históricos e estruturais em conquistas pessoais. Em outras palavras, são inimigos da cooperação e da ideia de que o conhecimento é coletivo e livre. Apropriam-se do que não ajudaram a construir, em benefício próprio, sem mérito algum aos outros. Reproduzem e aumentam as desigualdades através da exaltação à ignorância em troca de felicidade efêmera.
Além disso, a criação do termo também se presta a uma narrativa ideológica, agora normal, dentre os especialistas na arte de enganar.
É comum, notadamente nas redes sociais, as instituições e as políticas públicas se omitirem da responsabilidade de promover a equidade. Por outro lado, os neoliberais querem que o poder público deixe de conceder benefícios que promovem a diminuição do abismo do mérito. Por exemplo, acusam o poder público de conceder auxílio de bolsa-família em excesso. Este benefício ajuda na educação das pessoas, com os acusadores e críticos mostrando somente as mazelas. Neste ponto, é crucial a ajuda da mídia e da burguesia(3) que entende que só eles fazem jus à meritocracia.
Invisibilidade
Desta forma, o “mérito” se transforma em títulos principais, as responsabilidades coletivas para com os menos favorecidos inexistem. É comum que a maioria que atinge o sucesso relativo aos seus, usarem o mérito próprio sem considerar seus privilégios. Esse discurso, com aceitação ampla e geral, obscurece as diferenças estruturais e normaliza as disparidades. Como se não bastasse, promove a ideia de que a ascensão social é possível apenas por meio do esforço individual.
As pessoas e as coisas que mais precisam de apoio, ficam invisíveis ou se tornam incompetentes.
Assim sendo, a maior crítica à meritocracia começa pela análise da própria palavra: ao inserir a “cracia” no mérito. Em suma, naturaliza-se uma estrutura de poder que pouco tem a ver com a verdadeira justiça ou igualdade de oportunidades. A meritocracia, como conceito, torna-se uma farsa ao prometer uma justiça inatingível para a maioria. E legitima as desigualdades existentes e trata como consequências justas da falta de esforço individual, independente do mérito.
“Amanhã tem mais …
P. S.
(*) Reconhecimento diz respeito a reconhecer o mérito de ações boas e ruins, com equilíbrio e racionalidade.
(1) “Entre Sem Bater – Bo Burnham – Os Influenciadores”
(2) “A Meritocracia é uma Farsa”
(3) “Entre Sem Bater – Gustave Flaubert – A Burguesia”
Imagem: Entre sem bater – Michael Sandet – Mérito e Meritocracia
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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