Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” (← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento de muitos, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. O “Militante” das artes e do cinema, Cacá Diegues, nos deixou nesta data, que tenha uma boa passagem.
Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente.
As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Cacá Diegues
É provável que a maioria das pessoas que estão lendo este texto tenha algum preconceito quanto à palavra militante. Quando se referiu a ser militante do cinema, Cacá Diegues explicava que a palavra cabe perfeitamente a todos aqueles que lutam por uma causa. Ao mesmo tempo em que militava no cinema, abraçou outras causas e pensamentos, como o do preconceito racial. Desse modo, mais um que deixa de ser imortal e vai fazer falta.
Carlos Diegues, também conhecido como Cacá Diegues (Maceió, 19 de maio de 1940 – Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2025) foi um diretor de cinema brasileiro. Ele era popularmente conhecido por suas técnicas cinematográficas não convencionais, entre outros produtores de cinema do movimento Cinema Novo. Diegues fazia uso dinâmico de imagens visuais, ideias, enredos, temas e outras técnicas cinematográficas. Ele favorecia peças musicais para complementar suas ideias. As contribuições de Diegues ao cinema brasileiro desenvolveram a indústria cinematográfica. Ele seria o pioneiro de projetos de filmes caros que cineastas nacionais já tinham visto. Filmes como Bye Bye Brazil eram projetos de dois milhões de dólares e, mais tarde, filmes como Deus é Brasileiro custariam mais de 10 milhões de dólares. Diegues sugeriu que a história é escrita pelos vencedores e as comunidades afro-brasileiras não estavam entre aquelas que tiveram a chance de escrever sua própria história. Ele também propôs a ideia de que, até esse movimento, o cinema no Brasil só fornecia a experiência do brasileiro branco, apesar das crescentes massas de brasileiros negros em todo o país. Em 2018, Diegues foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL).
Fonte: Wikipedia (inglês)
O Militante
Um militante cultural tem muito a ver com um militante da área da educação, saúde ou política. Com toda a certeza, um militante religioso não admite para si esta característica, prefere se autodenominar missionário, obreiro ou similares. No caso da política, admite-se o correligionário quando o viés ideológico de que faz as denominações é contra movimentos de base.
Assim sendo, não seria fora de propósito que um militante cultural, como foi Cacá Diegues, mantivesse seus ideais até a morte. Sua última coluna é, por exemplo, a representação da ideia de ser militante. Cacá fez, anteriormente, críticas ao Oscar(*), na sua última coluna, teceu loas à Fernanda Torres e a ideia de “Ainda Estou Aqui”. Enfim, Diegues representou muito bem a cena cultural tupiniquim e deu vida à atividade de militante em sua plenitude.
Nesse ínterim, vivemos um conflito de falsos militantes, que resolveram se autodenominarem influenciadores. Os caras militam em causa própria e se dão ao direito de cometer crimes e contravenções. Como se não bastasse, ainda influenciam muita gente a segui-los e fazer as mesmas coisas que eles fazem. E uma desculpa que se houve é: “… se o fulano faz, porquê eu não posso fazer …”.
A partida de Diegues deveria servir para refletirmos sobre o que este militante das redes sociais está provocando na sociedade.
Engajamento x Egocentrismo
A palavra “militante” carrega em sua essência um significado profundo, que transcende a simples participação em um movimento. Militar significa agir, engajar-se, comprometer-se com uma causa maior, seja ela política, cultural, ambiental, na saúde ou na educação. Um militante autêntico não se move pelo desejo de protagonismo individual, mas pela busca de transformação coletiva. Essa ação exige dedicação, trabalho e um compromisso que, muitas vezes, ultrapassa o benefício próprio. Ou seja, tornar qualquer luta pela melhoria das condições de vida de um grupo ou de toda a sociedade e não individual.
No entanto, com o advento das redes sociais e a ascensão dos influenciadores digitais, presenciamos uma distorção desse conceito. Muitos desses influenciadores se autoproclamam militantes de diversas causas que parecem nobres. Contudo, na verdade, utilizam-se dessas bandeiras para obter visibilidade, engajamento e, em última instância, lucro. Por outro lado, um militante tradicional, cujo objetivo é a mudança estrutural e coletiva, luta a favor de uma causa e contra grupos. Esses novos “militantes digitais” colocam-se, sem dúvida, no centro das discussões, promovendo-se como figuras indispensáveis para o debate. Ainda que seu real interesse seja alimentar sua própria relevância no ambiente virtual, eles prosperam através da ignorância coletiva.
Sociedade em Vertigem
Essa dinâmica – influenciadores no topo das redes sociais – mostra-se, atualmente, mais do que perniciosa. Não se fomentam discussões saudáveis e produtivas, muitos influenciadores se aproveitam das polêmicas para atrair cliques e engajamento. Ao invés de construir conhecimento, simplificam questões complexas em pílulas de opinião que se tornam virais. Em vez de promover ações concretas, limitam-se a performar indignação nas redes. Desta forma, alimentam ciclos infindáveis de polarização que pouco contribuem para avanços inteligentes.
Vivemos, inquestionavelmente, numa sociedade em vertigem(1).
Causa Própria
A militância verdadeira exige mais do que palavras de efeito e posts impactantes. Ela requer ação constante, participação ativa em movimentos, diálogo construtivo e, acima de tudo, um compromisso com a causa. Desta forma, ser um militante não é lutar pela própria imagem, como presenciamos em todas as redes sociais.
Na história, vemos exemplos incontáveis de pessoas que dedicaram suas vidas a essas lutas sem buscar protagonismo individual. Educadores, ativistas ambientais, profissionais da saúde e da cultura que se colocam a serviço do bem comum. Desse modo, assim como fez e praticou Cacá Diegues, estas pessoas não transformam suas próprias trajetórias em mercadoria.
Por outro lado, influenciadores que “militam” em causa própria transformam qualquer temática em um trampolim para ampliar seu público. Conquistam assim, o bem mais precioso desta sociedade digital, parcerias comerciais que garantirão aparências e engano(2). Ainda que disfarcem suas intenções com discursos inflamatórios e uma aparente preocupação social, enganam muitos. Certamente, seus objetivos se tornam evidentes no momento em que se distanciam da realidade concreta das lutas que dizem representar.
Para esses influenciadores, causas importantes são apenas um nicho de mercado, de acordo com as tendências e a possibilidade de monetização.
Perdemos !
Esse fenômeno – militantes x influenciadores ou engajamento x egocentrismo – tem consequências preocupantes. A banalização das lutas sociais gera desinformação e desmobilização. Movimentos sérios perdem credibilidade quando se reduzem a modismos ou autopromoções.
O público, cansado da superexposição de temas com tratamento superficial, passa a desacreditar das causas reais. O ativismo digital, quando apresenta-se de maneira vazia, contribui para o imobilismo e a indiferença. E, ao criarem ilusões sobre quantidade de compartilhamentos substituem ações necessárias pelas aparências.
Isso não significa que as redes sociais sejam, por si só ou unicamente, um problema. Pelo contrário, elas podem ser ferramentas poderosas para informação e mobilização. O perigo está na superficialidade e no uso oportunista das causas. A diferença entre um militante e um influenciador que finge militância está na intenção e na ação concreta.
Um militante nunca está preocupado em acumular seguidores, mas em promover mudanças reais. Um influenciador com engajamento real é aquele que não apenas fala, mas age, articula e sai do ambiente digital, atuando no mundo real.
Diante desse cenário, é fundamental que as pessoas desenvolvam um olhar crítico para diferenciar militância genuína de simples autopromoção. As lutas sociais são sérias demais para se reduzirem a estratégias de marketing pessoal. Valorizar e fortalecer quem realmente se compromete com a transformação coletiva é um reflexo do que somos.
Como disse a personagem de Eunice Paiva, “… a vida vale a pena …”, mesmo que a luta seja Inglória.
“Amanhã tem mais …
P. S.
(*) Premiação anual para filmes e artistas que ocorre anualmente nos EUA.
(1) “Entre Sem Bater – Paulo Freire – Sociedade em Vertigem”
(2) “Entre Sem Bater – Jacques Abbadie – Lei do Engano”
Imagem: Entre sem bater – Cacá Diegues – O Militante
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
- Os textos de “Entre sem bater” são opinativos/informativos, inquestionavelmente com o objetivo de estimular a reflexão e o debate.
- Sugestões, indicações de erro e outros, uma vez que tenham o propósito de melhorar o conteúdo, são importantes. Basta enviar e-mail para pyxis at gmail.com, página do Facebook, associada a este Blog, ou perfil do Twitter, Threads, etc.
- Alguns textos sofreram revisão, outros ainda apresentam erros (inclusive ortográficos) e sofrerão correção à medida que se tornam erros graves (inclusive históricos).
- Algumas passagens e citações podem parecer estranhas, mas fazem parte ou referem-se a textos ainda inéditos.