Entre Sem Bater - The Cranberries - Zombie

Entre Sem Bater – The Cranberries – Zombie

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Algumas músicas, como “Zombie“, não levam às pessoas o que “The Cranberries” quis transmitir.

Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente.

As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

The Cranberries

Ao fazer pesquisas para montagem de uma “playlist” pessoal, com músicas entre 1960 e 1990, voltei a ouvir “Zombie”. É daquelas músicas de bandas de um ou dois sucessos, que, às vezes, chegam ao topo da Billboard(*). Esta música (Zombie) foi uma trilha de um álbum de trinta anos atrás. É provável que seja um hino atualizadíssimo que muitos ainda não se deram conta. Embora a figura de Dolores seja a mais proeminente na história da banda, a letra e mensagem são eternas e reais.

The Cranberries foi uma banda de rock formada em Limerick, Irlanda, em 1989. Originalmente chamada de Cranberry Saw Us, a banda foi formada em 1989 pelo vocalista Niall Quinn, guitarrista Noel Hogan, baixista Mike Hogan e baterista Fergal Lawler. Quinn foi substituído como vocalista principal por Dolores O’Riordan em 1990, e eles mudaram seu nome para The Cranberries. Embora amplamente associado com o rock alternativo, o som da banda também incorpora indie pop, post-punk, folk e elementos de dream pop. Foi uma das bandas de rock mais bem sucedidas dos anos 1990, a banda vendeu mais de 40 milhões de cópias em todo o mundo. A banda alcançou quatro top 20 álbuns na Billboard 200 e oito top 20 singles na Modern Rock Tracks.

Fonte: Wikipédia (Português)

Zombie

Zombie retomou com força nas paradas musicais em todo o planeta. Talvez seja uma forma de artistas fazerem um alerta sobre situações que nunca mudam. Contudo, parece que a nossa sociedade digital ainda não entendeu o que está acontecendo. As versões e intérpretes vão da Tailândia aos EUA e à Europa, sem que muitos entendam a letra ou saibam a tradução. Talvez sejam as sombras e trevas(1) a que Charles Dickens se referiu.

Letra Original

Another head hangs lowly
Child is slowly taken
And the violence caused such silence
Who are we mistaken?

But you see, it’s not me
It’s not my family
In your head, in your head, they are fighting
With their tanks and their bombs
And their bombs, and their guns
In your head, in your head they are crying

In your head, in your head
Zombie, zombie, zombie-ie-ie
What’s in your head, in your head
Zombie, zombie, zombie-ie-ie-ie, oh

Do, do, do, do
Do, do, do, do
Do, do, do, do
Do, do, do , do

Another mother’s breaking heart is taking over
When the violence causes silence
We must be mistaken

It’s the same old theme
Since nineteen-sixteen
In your head, in your head, they’re still fighting
With their tanks and their bombs
And their bombs, and their guns
In your head, in your head, they are dying

In your head, in your head
Zombie, zombie, zombie-ie-ie
What’s in your head, in your head
Zombie, zombie, zombie – ie – ie – ie

Tradução (Português Br)

Outra cabeça se abaixa humildemente 
Uma criança é levada lentamente 
E a violência causou este enorme silêncio 
Quem estamos enganando? 

Mas veja bem, não sou eu 
Não é a minha família 
Na sua cabeça, na sua cabeça eles estão lutando 
Com seus tanques e suas bombas 
E suas bombas e suas armas 
Na sua cabeça, na sua cabeça eles estão chorando 

Na sua cabeça, na sua cabeça 
Zumbi, zumbi, zumbi 
O que está na sua cabeça, na sua cabeça 
Zumbi, zumbi, zumbi 

Du, du, du, du Do, do, do, do
Du, du, du, du Do, do, do, do
Du, du, du, du Do, do, do, do
Du, du, du, du Do, do, do , do

O coração partido de outra mãe é tomado
Quando a violência causa silêncio
Nós estamos enganados

É a mesma velha história
Desde 1916
Na sua cabeça, na sua cabeça eles ainda estão lutando
Com seus tanques e suas bombas
E suas bombas e suas armas
Na sua cabeça, na sua cabeça eles estão morrendo

Na sua cabeça, na sua cabeça
Zumbi, zumbi, zumbi 
O que está na sua cabeça, na sua cabeça 
Zumbi, zumbi, zumbi 

Zombie ou Zombies?

A música Zombie (The Cranberries-1994), ressurgiu nas paradas mundiais, atravessando fronteiras linguísticas e culturais. Sua letra, pura crítica social e denúncia da violência, é um alerta para a nossa sociedade digital. Certamente, o aparente acesso à informação convive com a banalização do sofrimento e a repetição de erros históricos.

A versão em português, traduz, inequivocamente, o tom de desespero e indignação que deveria nos cercar. Outrossim, revela camadas que são como espelho de nossos tempos:

  • a alienação,
  • a hipocrisia,
  • a repetição de padrões; e
  • a omissão diante do absurdo.

Enfim, alguns termos, dentre outros, centrais da letra, merecem uma atenção maior. Por exemplo, “não sou eu”, “seus tanques e suas bombas”, “quem estamos enganando?” e “velha história” são lapidares. Assim, tentamos mostrar como a música reflete, criticamente, o comportamento da sociedade digital contemporânea.

“Não sou eu”

A frase “mas veja bem, não sou eu / não é a minha família” é bastante explicativa. Funciona como um aviso contra a tendência do hedonismo e da generalização de experiências individuais. Atualmente, é muito comum esta generalização, como se fossem representativas de toda uma realidade.

Na sociedade digital, esse fenômeno é constante: basta um caso viralizar para que milhões de pessoas se vejam naquilo. Como se não bastasse, mesmo que não tenham aquela experiência, tomam como verdade para si. A generalização torna-se uma falácia ou paralogismo comum. Este reducionismo da complexidade do mundo a exemplos individuais, acompanham as distorções da narrativa midiática.

Quando dizemos “não sou eu”, reconhecemos que o sofrimento alheio não pode ter banalizações e nem nos apropriarmos dele. No entanto, nas redes sociais, é comum ver pessoas se apropriando de dores que não vivem. Transformam em conteúdo para ganhar engajamento e douram os resultados como sucesso. A dor de uma mãe que perdeu o filho em um conflito com armas, por exemplo, tem aplicação como pano de fundo. Na realidade, algumas postagens buscam, na verdade, clickbait(2), likes e compartilhamentos.

A expressão “não sou eu” indica que não devemos nos colocar no centro de todas as narrativas. Devemos, entretanto, reconhecer nossos limites e ouvir as vozes reais das vítimas e seus dramas.

A sociedade digital, por mais informação que tenha, amplifica a solidão e o isolamento. Acreditamos que estamos participando de causas importantes, mas, na verdade, estamos apenas reproduzindo clichês e discursos prontos.

A crítica da música nos convida a questionar: até que ponto partícipes ou apenas fingimos que estamos?

A quem estamos enganando?

Opressão e impotência

O trecho “com seus tanques e suas bombas / e suas bombas e suas armas” é uma metáfora instigante. Uma metáfora, sem dúvida, poderosa para a desigualdade de poder entre opressores e os que sofrem a opressão.

Na sociedade digital, essa desigualdade se manifesta de formas sutis, mas igualmente devastadoras. As “bombas” e “tanques” são como ferramentas de controle, manipulação e opressão. Atualmente, algoritmos determinam o que vemos e o que não vemos, e a IA está apenas engatinhando na opressão. Desse modo, discursos de ódio que se espalham rapidamente, e até mesmo a censura silenciosa de vozes dissidentes.

Os opressores têm, inquestionavelmente, acesso a recursos poderosos — sejam armas físicas, tecnológicas ou simbólicas. Por outro lado, as vítimas muitas vezes não têm como se defender. Nas redes sociais, isso se traduz em perfis anônimos que espalham ódio. Adicionalmente, muitas empresas que nos monitoram, vendem dados pessoais, e governos usam a tecnologia para vigiar e controlar. As vítimas, por sua vez, ficam em silêncio, submissas à invisibilidade, ou ao papel de meros números em estatísticas.

A música nos lembra que, por trás de cada “Zombie” há uma história de violência e impotência. O que está na “cabeça” de quem sofre não é apenas dor, mas também a sensação de que nada pode ser feito.

A letra mostra que, enquanto alguns têm o poder de destruir, outros assistem, impotentes ou omissos, à repetição do ciclo de violência.

Hipocrisia das redes sociais

A pergunta “quem estamos enganando?” é talvez a mais contundente da música. Ela nos confronta com a hipocrisia de uma sociedade que, por um lado, se diz solidária, mas, por outro, reproduz padrões de indiferença e omissão. Nas redes sociais, essa hipocrisia é evidente: postamos mensagens de apoio, usamos hashtags de causas importantes, mas, na prática, raramente agimos de forma concreta.

A ilusão de que estamos “fazendo a diferença” é alimentada pela lógica do engajamento. Um “like” ou um “compartilhar” nos dá a sensação de que estamos contribuindo, mas, na verdade, estamos apenas participando de um espetáculo de aparências. A música nos lembra que, por trás de toda essa fachada, há um enorme silêncio: o silêncio das vítimas, o silêncio daqueles que não têm voz, o silêncio daqueles que preferem não se envolver.

A hipocrisia também está presente na forma como tratamos a dor alheia. Enquanto celebramos a “empatia” nas redes sociais, muitas vezes ignoramos os problemas reais que estão diante de nós. A pergunta “quem estamos enganando?” nos força a refletir sobre nossas próprias atitudes: estamos realmente ajudando, ou apenas fingindo que estamos?

Velha História

O trecho “é a mesma velha história / desde 1916” é um alerta sobre a repetição dos erros históricos. A música nos mostra que, apesar de todo o avanço tecnológico e social, continuamos a cometer os mesmos erros: a violência, a opressão, a indiferença.

O que mudou, em outras palavras, é apenas a forma como esses erros se manifestam ou ficam escondidos.

Na sociedade digital, a repetição dos erros se dá de maneira ainda mais sutil. Enquanto antes a violência era física, hoje ela pode ser simbólica, psicológica ou virtual. O bullying, o racismo, a misoginia, o sexismo e outras formas de opressão continuam presentes. Mas, agora, têm novos canais para se espalhar com a velocidade da luz, literalmente. A diferença é que, muitas vezes, não percebemos que estamos reproduzindo padrões antigos, porque estamos distraídos pela novidade das tecnologias.

A omissão social também se repete. Assim como no passado, muitas pessoas preferem não se envolver, acreditando que “não é com elas”. A música nos lembra que, enquanto continuarmos a ignorar os problemas, a “velha história” continuará se repetindo, sem fim, sempre como farsa.

Espelho da sociedade digital

Enfim, a letra de Zombie funciona como um espelho da sociedade digital atual. Ela nos mostra que, apesar de todos os avanços tecnológicos, continuamos a reproduzir padrões de violência, hipocrisia e omissão. A frase “não sou eu” nos alerta contra a generalização apressada; “seus tanques e suas bombas” nos lembra da desigualdade de poder; “quem estamos enganando?” nos confronta com a hipocrisia das redes sociais; e “velha história” nos mostra como os erros se repetem, enquanto a sociedade, no geral, prefere olhar para o outro lado.

A música nos convida a refletir sobre nossas próprias atitudes e a questionar o que realmente está acontecendo ao nosso redor. Em uma sociedade que acha normal absurdos inomináveis, a letra de Zombie serve como um alerta: não podemos continuar fingindo que não vemos, que não sabemos, que não somos responsáveis.

O que está na nossa cabeça, afinal, é o reflexo do mundo que construímos — e, se não mudarmos, continuaremos sendo zumbis, repetindo a mesma velha história, sem fim.

Em suma, é o corpo de uma vítima, que nunca foi encontrado, do crime de Mariana(3), sem nenhum responsável. Do mesmo modo é o corpo de uma criança, fugitiva de perseguições, numa praia na Europa. Ou, surpreendentemente, um político eleito indo às redes sociais zombar das vítimas de uma gripe mortífera.

Como sociedade e civilização, perdemos, #taoquei?

Veja e ouça a versão original

Amanhã tem mais … 

P. S.

(*) A revista Billboard teve sua primeira publicação em 1° de novembro de 1894(4) e não era, precipuamente, com relação a músicas. Tornou-se uma das maiores referências sobre a música global e, em especial, no idioma inglês.

 

Imagem: Entre sem bater – The Cranberries – Zombie

 

Nota do Autor

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