Tempos modernos
Em primeiro lugar, é necessário diferenciar alguns termos e desmistificar algumas expressões e conceitos. Algumas atividades profissionais são muito antigas, remontam o estudo da administração científica e os chamados tempos e movimentos. Por exemplo, a frase “siga sua paixão” uma citação de Glauber Rocha. Dizia o cineasta que “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” podia-se tudo. #SQN.
Desse modo, poderíamos retroceder muito tempo antes de Glauber e ver que estudiosos das organizações usavam a mesma temática. Os casos de sucesso empresarial eram sempre narrados com algo do tipo “Siga sua paixão“. Atualmente, as redes sociais ganharam coaches e outros especialistas que repetem a frase como um mantra ou explicação definitiva. Estão conseguindo enganar muita gente.
“Siga sua paixão”
É muito fácil, para quem acompanha esses movimentos de muito discurso e pouca razão, entender a frase-chavão “”Siga sua paixão“. Contudo, o que a maioria das pessoas não observa é que esta frase tem sido dita por quem nunca a utilizou. Por outro lado, é aquele tipo de fechamento de palestra de quem já tem a conta bancária fortalecida.
O certo é que, em outras palavras, o “siga sua paixão” é somente mais uma frase para uma audiência sem rumo.
Carreira
O público-alvo de frases semelhantes a esta são aquelas pessoas insatisfeitas no trabalho. Com a elevação das taxas de desemprego, no Brasil, o espaço para este tipo de proselitismo aumentou bastante. Como se não bastasse, a pandemia fez proliferar os pregadores de redes sociais.
Além de não ajudarem nem na própria carreira, estes pregadores ou influencers, ainda querem ganhar dinheiro enganando muita gente.
Enfim, dá arrepios e muita raiva quando vejo as técnicas utilizadas para atrair a atenção das pessoas. Seja em palestras ou vídeos “gratuitos” onde se utiliza da pressão para comprar um curso. E quando anunciam uma nova carreira profissional com a frase “siga seu sonho” é ainda mais cruel.
Redes Sociais
Com toda a certeza, o ambiente das mídias digitais e canais de comunicação sem controle, favorecem a enganação. Definitivamente, não quero dizer que as mídias ou a Internet tenham que ter controle de alguém. Entretanto, o cidadão que resolve entrar nestas redes sociais não está preparado.
Imagina-se, a princípio, que alguém maior de quatorze anos, alfabetizado, e com destreza nos teclados, estaria preparado. Contudo, quando vemos os pais de uma criança menor de 14 anos, incentivando alterar a idade é o caso de parar e pensar. Não adianta eu ou um pequeno grupo de pessoas parar e pensar, se a maioria não está nem aí para as consequências.
Algumas redes sociais, como é o caso do LinkedIn, são mais profissionais e nem por isso são mais profissionais ou ciosos do que estão fazendo.
A guerra entre os perfis que oferecem o maravilhoso mundo da tecnologia e os prazeres de trabalhar com sua paixão é destruidora.
A Falácia do “Siga sua paixão“
Existe uma falácia que espalhou-se pelas redes sociais e virou coisa normal: é a “Generalização Apressada“(1). O que vemos, na quase totalidade de casos do uso da expressão “siga sua paixão” é uma falácia.
Assim sendo, os palestrantes ou quem escreve sobre o tema usando esta expressão, engana as pessoas com uma falsa realidade. Não basta seguir sua paixão ou seus sonhos e os poucos exemplos de sucesso justificam a minha visão. Inquestionavelmente, se existe um caso de que seguir a paixão deu certo, um milhão de outros casos serão de fracasso.
O desespero que faz com que algumas pessoas busquem refúgio na religião, faz com que outras se agarrem a sonhos. Desse modo, se elas não estiverem preparadas para buscar sua paixão ou sonho, trará insatisfação e sensação de derrota.
As escolhas deveriam ser feitas por cada um a partir de instrução e avaliação de si próprio. Desde a febre de palestrantes de autoajuda que só eles ganham vendendo livros e fazendo palestras.
Lua de Cristal
Vivemos com a geração “Lua de Cristal” no comando.
Explico.
A “Rainha dos Baixinhos” tinha uma música com a seguinte letra:
”Tudo pode ser, se quiser será
O sonho sempre vem pra quem sonhar
Tudo pode ser, só basta acreditar”.
Esta Geração Z acreditou e transportou a letra para as redes sociais.
Quem acredita nesta falácia está a um passo de mudar, a cada seis meses, de paixão ou sonho. É, por isso, que vemos uma geração inteira, que domina as redes sociais, errando e apontando o dedinho para os outros.
Surpreendentemente, vemos casos perto de nós e não damos atenção para ninguém que quer nos mostrar a realidade. Preferimos a “nossa” realidade, aquela que acusa o outro de pessimista. Como nada é tão ruim que não possa piorar, ainda temos os negacionistas e crentes que acreditam em mitos e terra plana.
É preciso quebrar o tabu de que o “siga sua paixão” ou uma ideia e uma câmera na mão bastam. Como disse Einstein, ou pelo menos atribui-se a ele, “sucesso só vem antes de trabalho no dicionário“.
As pessoas estão perdendo a grande oportunidade do autoconhecimento antes de correrem atrás de utopias. É essencial que utopias sejam contrapostas com as distopias que vivemos e nem percebemos.
Analogamente à lenda urbana de que o avestruz enfia a cabeça num buraco(2), os perfis de redes sociais estão praticando a lenda.
É o fim !
Em suma, não acredite em forças ocultas e nem em empreendedores de palanque. Um smartphone na mão e dedinhos ágeis não garantem nada.
(1) “Generalização Apressada é um péssimo começo“
(2) “Por que o avestruz enfia a cabeça no buraco?”