Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Em “Feridas Abertas – Um Desabafo“, Lygia Fagundes Telles faz, certamente, um relato sobre a nossa sociedade atual.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Lygia Fagundes Telles
Uma dama, como Lygia Fagundes Telles (LFT), que descreveu sobre morte e vida, pode, com toda a certeza, falar sobre as feridas abertas em nós. Atualmente, faltam muitas “Lygias” para que as redes sociais consigam mostrar alguma coisa útil. Infelizmente, a geração do hedonismo oco(1) não consegue nem entender o que a grande escritora queria dizer. Certamente, esta geração plástico-bolha nunca leu mais do dois parágrafos dos textos de pensadoras como LFT.
Lygia Fagundes da Silva Telles ORB • OAL • OMDCGM • HC • OI ( São Paulo, 19 de abril de 1918 – São Paulo, 3 de abril de 2022). Conhecida como “a dama da literatura brasileira” e “a maior escritora brasileira” enquanto viva. Foi uma escritora brasileira, considerada por acadêmicos, críticos e leitores uma das mais importantes e notáveis do século XX e da história da literatura brasileira. Além de advogada, romancista e contista, Lygia teve grande representação no pós-modernismo, e suas obras retratavam temas clássicos e universais como a morte, o amor, o medo e a loucura, além da fantasia.
Fonte: Wikipedia (Português)
Feridas Abertas
No cenário contemporâneo, as redes sociais se estabeleceram como plataformas que conectam pessoas de todas as partes do mundo. Desse modo, distâncias geográficas deixaram de existir e as interações são instantâneas. Contudo, por trás da fachada de conexão, o que muitas vezes prevalece é um distanciamento social preocupante. A superficialidade predominante corrói as relações humanas genuínas e a hipocrisia parece coisa normal. O hedonismo oco, a preocupação excessiva com a imagem provoca comportamentos repulsivos. Assim sendo, uma negligência com os sentimentos das pessoas próximas gera feridas abertas na sociedade toda. Desta forma, a solidariedade e a cooperação que tanto necessitamos perde-se num emaranhado de aparências e futilidades.
O crescimento das interações nas redes sociais, a maior conectividade e o aumento da velocidade nas comunicações é inegável. No entanto, paradoxalmente, observa-se um distanciamento emocional e uma superficialidade nos conteúdos e trocas. A obsessão pela construção de uma persona virtual perfeita conduziu a maioria dos indivíduos para a fantasia.
A busca incessante por validação, likes e seguidores, relegam a um segundo plano a verdadeira empatia e consideração pelos sentimentos alheios. Por isso, o foco na satisfação imediata dos próprios desejos, resulta em uma falta de comprometimento com relacionamentos reais e autênticos. Enfim, vivemos uma época triste com feridas que se abrem a todo momento, e alguns chamam isso de mimimi(2).
O Valor das Coisas
Nesse ínterim, nossa sociedade digital está sob domínio de imagens ideais de vidas perfeitas e momentos felizes, em exposições sem controle. Desse modo, cria-se um padrão de comparação que pode levar à insatisfação crônica e à sensação de inadequação. A pressão para se encaixar nesses moldes virtuais leva as pessoas a ocultar suas próprias vulnerabilidades e inseguranças. LFT nem imaginava este tipo de situação quando fez seu “desabafo”. Como se não bastasse estas perversidades digitais, perpetua-se um ciclo de aparências enganosas.
Nesse contexto, o que poderia ser uma ferramenta de conexão autêntica torna-se um palco para a representação de uma felicidade surreal. O abismo entre o eu real e o eu virtual atingiu limites extremos onde as pessoas buscam uma realidade que não existe. Por isso, abrem-se feridas profundas, mesmo que estas feridas sejam invisíveis.
Ao focar exclusivamente no próprio prazer e nas conquistas individuais, as pessoas negligenciam as necessidades emocionais de pessoas próximas. Estas feridas abertas sem que se derrame uma gota sequer de sangue são as piores. A solidariedade e a cooperação sofrem com a mentalidade do “cada um por si” ou pelo “salve-se quem puder“. Sem dúvida, a frase-lema da maioria das pessoas é “… farinha pouca, meu pirão primeiro… “.
O valor das coisas, das ideias e das pessoas atingiu níveis que alguém machuca outra pessoa e entende que isso é “normal“. Os padrões de comportamento que os outros devem ter são aqueles que os hedonistas determinam. Desse modo, a agenda, os sorrisos, e até o pensamento de cada um tem cerceamento por aqueles que praticam o hedonismo.
A falta de empatia resultante desse egocentrismo gera, inquestionavelmente, isolamento emocional e conflitos interpessoais. E, de fato, transformam relacionamentos que poderiam ser enriquecedores em fontes de desgaste, mágoas e dor.
A Cura
De acordo com alguns textos anteriores e outros de diversas pessoas, a maioria bastante influentes, a cura para estes males está fora de nosso alcance. Por mais que as pessoas repitam nas redes sociais, não estamos sequer tentando elevar os degraus da consciência(3). Engatinhamos num terreno pantanoso em que não existe mais vacina possível para uma epidemia fora de controle.
Para curar as feridas abertas causadas pelo distanciamento social nas redes sociais, é essencial um despertar coletivo. Isso implica, de fato, no abandono da busca desenfreada por aceitação virtual e voltar os olhos para as necessidades emocionais alheias. A autenticidade e a integridade são caminhos para se construir relacionamentos curativos. Ainda que as pessoas se sintam à vontade para compartilhar suas lutas e suas alegrias, não deve haver opiniões preconcebidas(4).
É crucial reconhecer que as redes sociais, por si só, não são as únicas vilãs nessa história. Elas são ferramentas poderosas para a conexão, o compartilhamento de conhecimento e a mobilização social. Por outro lado, pessoas sem escrúpulos utilizam-na de forma a obterem benefício próprio e provocarem feridas incuráveis.
No entanto, a maneira como as utilizamos determina o impacto que terão em nossas vidas e nas vidas dos outros. Se bem que, a cura passa pela conscientização sobre os perigos e feridas provocadas nas redes sociais e no mundo real.
Em suma, se não houver ações concretas que promovam uma cultura de solidariedade e cooperação não há cura possível.
Linha dupla
A frase original de LFT é dura.
“Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas.”
A solidariedade e a cooperação estão em segundo plano, mas são a linha dupla para retomarmos uma sociedade saudável. A colaboração e o cuidado mútuo que realmente preenchem o vazio existencial e cura feridas abertas.
E, de acordo com a maioria dos pensadores, não importa o tamanho visível da ferida, todas as feridas podem ser graves. Ajudar o próximo, ouvir com empatia, oferecer um ombro amigo podem ser mais importantes do que ser caridoso no Natal. Se bem que, muitos pensam em compartilhar momentos genuínos de alegria e tristeza para fortalecer os laços entre as pessoas. Entretanto, para promover um senso de pertencimento e apoio é necessário muito mais do que “parecer simpático“.
Em última análise, as feridas abertas pelo uso excessivo das redes sociais e pelo distanciamento social e pessoal têm cura. A princípio, basta a mudança de mentalidade e de comportamento no mundo digital e real. É necessário que cada indivíduo reflita sobre suas ações e prioridades, buscando reconectar-se com sua essência de humanidade.
A verdadeira felicidade não existe no prazer individual daqueles que são humanistas radicais. Existe a possibilidade de melhorias na construção de relacionamentos, no apoio mútuo e honra. É preciso mais do que consciência e superação das adversidades e dissabores das redes sociais. Afastar-se destas tecnologias e modernidades também não é solução para a crise sociocomportamental que experimentamos atualmente.
Em suma, não devemos cortar os pulsos e nem os laços que ainda existem. É provável que qualquer conexão pode ser o fio que fechará todas as feridas abertas e teremos um novo começo.
P. S.
É provável que as pessoas com intensa conexão nas redes sociais não tenham a dimensão de como se abrem feridas. Com toda a certeza, feridas podem ser pequenas e crescerem de maneira incurável. Cada ferida que recebe uma linha dupla exige procedimentos de um recomeço(5) com atenção e cuidados.
(1) “A geração do hedonismo oco”
(2) “O valor das coisas, das pessoas e das ideias”
(3) “Entre sem bater – Eduardo Marinho – Degraus da Consciência”
(4) “Entre sem bater – Arthur Schopenhauer – Opinião Preconcebida”
(5) “Entre sem bater – Abner Santos – Recomeço”
Imagem: Entre sem bater – Lygia Fagundes Telles – Feridas Abertas
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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