Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Um jornalista e cientista político, como Murillo de Aragão, certamente deve conhecer a fundo o “Neotenentismo” de Pindorama.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Murillo de Aragão
Inquestionavelmente, devemos tomar muito cuidado com frases e citações de pessoas vivas, como acontece neste texto. Como se não bastasse, quando o autor da frase é advogado e jornalista, a situação ganha agravantes. Por outro lado, alguém que tem tantos galardões das Forças Armadas, deve ter algum conhecimento do velho e novo tenentismo.
Murillo de Aragão é advogado, jornalista, cientista político, sociólogo e palestrante. Formado pela Faculdade de Direito de Brasília (CEUB). É mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Por sua atuação intelectual e profissional foi condecorado pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Defesa (Força Aérea Brasileira), pelos Governos do Estado de São Paulo e do Distrito Federal. Foi colunista do jornal O Estado de São Paulo, da revista VEJA, e autor dos livros “Grupos de Pressão no Congresso Nacional” (Maltese, 1992), “Reforma Política – O Debate Inadiável”(Civilização Brasileira, 2014); “Parem as Máquinas (Sulina, 2014) e Ano Zero (Abril, Veja, 2020).
Fonte: Site Oficial – Murillo de Aragão
Neotenentismo
Uma citação tem Nélson Rodrigues como autor – “O Brasil não é para amadores” – entretanto é mais uma corruptela de citações. É provável que a frase que originou este chavão seja a original de Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes“.
Surpreendentemente, passados mais de 100 anos do ápice dos movimentos tenentistas podemos dizer que somos todos principiantes. Como se não bastasse, somos neófitos, com viés de entendedores de qualquer assunto, graças às redes sociais. Estamos em pleno Século XXI e o neotenentismo está mais ativo do que nunca. Sem dúvida, a patuleia ainda não entendeu cem anos de história e não percebe que as revoltas tenentistas sempre fracassaram.
Não temos, com toda a certeza, nem mesmo com muitos professores de História, a menor noção do que foram as revoltas tenentistas. Desse modo, é impossível compreendermos o neotenentismo do capitão-mito que arrebatou mentes e corações..
Principiantes
O contexto em que Tom Jobim disse essa frase não é muito claro, e há algumas variações na história por trás dela. No entanto, a frase se tornou famosa e tem uso na descrição da realidade social, política e cultural do Brasil. Certamente, todas as especialidades e dificuldades da política tupiniquim têm representação na frase.
Ela (a frase) sugere que para compreender completamente o Brasil exige-se um entendimento profundo e uma experiência política consistente. Desse modo, iniciantes, personagens de redes sociais e estrangeiros não conhecem bem a complexidade do país.
A frase de Tom Jobim reflete sua perspicácia e compreensão profunda da cultura brasileira, expansível para outras editorias, como a política.
Embora o contexto exato da declaração possa não ser claro, a frase continua é impactante e resume as complexidades do Brasil e suas idiossincrasias.
Revoltas e Revoltosos
O Brasil viveu muitas revoltas, desde a Insurreição Pernambucana (1645) até a Revolta da Vacina (1904), passando pela Inconfidência Mineira (1789). Todos estes movimentos com envolvimento de militares e causas nunca são em prol da população, mas de corporações, como sempre.
É provável que cada segmento da sociedade brasileira tenha cada revolta como primordial ou insignificante, para o país.
Estas revoltas, na maioria dos casos, recebem a classificação de nativistas e/ou emancipacionistas.
As revoltas nativistas são, inquestionavelmente, contra as ações da Coroa Portuguesa. Por outro lado, as emancipacionistas determinam, de algum modo, o desejo de independência da metrópole.
Assim sendo, questões de quando e como ocorreram, motivações, desfechos e grupos da sociedade envolvidos, são quase as mesmas.
Após este período, as décadas seguintes mostraram uma forte tendência de revoltas, com a ideia de comando do tenentismo.
De 1920 a 1930
O Tenentismo foi um movimento político em que a maioria dos participantes tinham patentes militares. A princípio, o objetivo era derrubar as oligarquias que estavam no poder. Os militares conseguiram o poder desde a Proclamação da República se viram sem prestígio na “política do café com leite“. Os militares de baixa e média patente do Exército Brasileiro começaram a se movimentar para derrubar a elite rural, composta pelos “coronéis”.
A conjuntura provocou situações curiosas, como os tenentistas serem favoráveis às reformas políticas e sociais, pautas e ideias dos anarquistas e comunistas.
Surpreendentemente, os tenentistas defendiam pontos democráticos, desde que eles voltassem a ter poder, como na República Velha. Assim sendo, em linhas gerais, defendiam e lutavam por:
- Fim do voto de cabresto.
- Mudança do voto aberto para secreto.
- Direito das mulheres ao voto.
- Punição para a corrupção política.
Não se sabe exatamente como e por quê, a defesa do voto das mulheres e mudança na educação eram pauta dos movimentos.
De Prestes a Getúlio
Quatro movimentos foram de real importância entre os anos 1920 e 1930.
- Revoltas dos 18 do Forte
- Comuna de Manaus
- Revolta Paulista
- Coluna Prestes
É provável que a Coluna Prestes tenha uma avaliação de “a mais relevante” entre todas. Contudo, nenhum destes levantes provou o efeito de mudar substancialmente o país.
Todos os movimentos, depois de algum tempo, encerraram-se sem alcançar seus objetivos.
Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas chegou à presidência e conseguiu enfraquecer os movimentos tenentistas, dividindo-os. Alguns participantes assumiram posições no governo, porém, outros insistiram em permanecer no movimento, inutilmente.
A maioria destes, pertenciam à Coluna Prestes e, em 1945, seriam responsáveis pela queda de Vargas, mas não estariam no poder.
Curiosidades
- Após a Revolução de 1930, a maioria dos interventores nos estados eram os tenentes “revoltosos”.
- Quase todos os comandantes do golpe militar de 1964(1) foram ex-integrantes do movimento tenentista
- O tenentismo viveu enquanto viveram os seus integrantes, ou seja, até a década de 1970.
Neotenentismo – Força Poderosa
Alguns eventos após 1930 demonstram, com toda a certeza, que os tenentistas nunca se satisfazem com poucas mordomias. As origens destes movimentos vêm desde a insatisfação com o Império, e sempre travestidas de democráticas e como vontade do povo.
A Intentona Comunista de 1935, por exemplo, foi uma revolta em que militares se insurgiram contra Getúlio Vargas. Em outras palavras, uma tentativa de golpe militar clássica.
A redemocratização de 1945 elegeu um general para um período de democracia guiada que durou menos de 20 anos. Logo após o General eleito em 45, voltou um ditador (Getúlio Vargas) que não completou seu mandato. O golpe cívico-militar de 1964 deu aos tenentistas de outrora o poder no país.
Com o falecimento dos generais do Golpe de 1964, houve um hiato na política brasileira que ficou sob o comando das elites e oligarquias. Este período (de 1984 com o movimento “Diretas Já“(2) até 2018) transparece ser uma democracia, #SQN.
Desse modo, o movimento neotenentista pode ressurgir através de um tenente, capitão com desonra, que retomou pautas sectárias e excludentes. Após a eleição de Jair Bolsonaro, temos a versão “democrática” de um país que parece gostar de tenentes e golpistas. A força poderosa do neotenentismo teve início com a junção dos procuradores de Curitiba e os políticos da direita.
A exemplo do que ocorrera em outras épocas, como no movimento de 1920 com jovens militares, “agentes da regeneração” e “defensores da república“. Certamente, não é por acaso que a alcunha de “República de Curitiba” tenha íntima relação com o golpismo tenentista.
Futuro do Neotenentismo
O ciclo de rebeliões tenentistas sempre foi uma resposta às crises políticas e sociais que incluíam a corrupção, o clientelismo e outras mazelas.
A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 trouxe uma nova dinâmica à política brasileira com velhas práticas e vícios. Bolsonaro, um ex-militar, trouxe consigo uma série de oficiais das FFAA para ocupar cargos-chave em seu governo, incluindo ministérios. Essa nomeação de militares gerou debates e preocupações sobre a militarização do governo e consolidou o “neotenentismo“.
Surpreendentemente, o Brasil não tem uma democracia real, e o papel dos militares extrapolou suas atribuições constitucionais. Por exemplo, um militar da ativa, comandando o Ministério da Saúde, comprovou a incompetência para assuntos não-militares. O resultado foi a morte de mais de 700 mil civis numa guerra contra um inimigo viral.
Desse modo, a presença militar excessiva no governo de Bolsonaro enfraqueceu as instituições democráticas e vilipendiou a política.
As Perspectivas do Neotenentismo
Para avaliar as perspectivas do “neotenentismo” no Brasil, é necessário analisar vários fatores. Sem dúvida, devemos incluir a dinâmica política atual, as instituições democráticas e o comportamento das Forças Armadas.
- Dinâmica Política Atual : A polarização política no Brasil tem sido uma característica marcante nos últimos anos. Desse modo, criou-se um ambiente em que posições extremas ganham espaço a cada dia. Certamente, os discursos antidemocráticos, de parte a parte, se fortalecem. A retórica de Bolsonaro e de seus apoiadores alimentam a filosofia de ódio(3) contra os seus opositores e ameaçam a democracia no país.
- Instituições Democráticas : A robustez das instituições democráticas é fundamental para conter qualquer tentativa de enfraquecimento do sistema. O Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e outras instituições demonstraram resiliência ao enfrentar as tentativas golpistas. Contudo, a sobrevivência destas instituições encontra opositores dentro do Congresso Nacional e diversas instâncias políticas no país. A resistência das instituições democráticas está nas mãos dos eleitores que elegeram, nas últimas eleições, parlamentares neotenentistas.
- Forças Armadas : O comportamento das Forças Armadas não deveria ser um fator importante. Entretanto, existem divergências entre os militares que aderiram ao neotenentismo e agora estão perdendo espaço. De um lado, parte dos militares reiteraram seu compromisso com a Constituição e a democracia, e a outra parte aderiu ao “levar vantagem”. Além dos militares das FFAA, outros políticos das armas ganharam muito poder no Legislativo e avançam sobre o Executivo. Desse modo, as forças armadas, civis e militares extrapolam seu papel constitucional e prejudicam a democracia.
Desafios e Riscos
Como se não bastasse, a pouca segurança democrática, ainda existem desafios e riscos que precisam de monitoramento contínuo:
- Retórica Antidemocrática : A retórica de Bolsonaro e de seus correligionários prossegue, inclusive nas CPI´s. Discursos que desacreditam as instituições democráticas nos remetem às motivações neotenentistas emergentes. Esses discursos influenciam segmentos da população e criam um ambiente propício para golpes e crescimento de déspotas.
- Crises Econômicas e Sociais : No Brasil a mistura de temas diferentes, influencia a população na hora do voto, com discursos vazios e estéreis. Possíveis crises econômicas e sociais, aumentam a insatisfação popular e tornam o cenário político eleitoral muito mais volátil. Em momentos de crise aumenta a radicalização, e a mobilização política em torno de políticos de direita promove políticos “novos”.
- Erosão da Confiança nas Instituições : As instituições democráticas sofrem ataque e críticas até quando atuam em conformidade com seu papel. Por exemplo, um ministro do STF sofre ataques pessoais por uma decisão que ele pode ser contrário mas vota pelo bem do país. A erosão das instituições é retórica de agentes antidemocráticos em defesa de interesses de grupos manipuladores de opinião.
O perigo real está, com toda a certeza, na falácia de se perder a confiança no sistema político e nas instituições. Esta confiança nunca foi plena e a estabilidade democrática do país sempre esteve à mercê de quartos e quintos poderes(4).
Nas mãos dos eleitores
O “neotenentismo” no Brasil é uma constatação, dado o complexo cenário político atual e a polarização dos debates em qualquer tema. No entanto, nem as situações são distintas dos últimos cem anos e o tenentismo garante que o Brasil é uma democracia.
As perspectivas de avanço dos movimentos golpistas dependem das instituições democráticas se manterem fortes e eficazes. Dependem também da resistência das pessoas aos discursos antidemocráticos e eleitoreiros. Adicionalmente, dependem do respeito das Forças Armadas e das forças policiais à Constituição.
O Brasil passa por desafios à continuidade do sistema democrático. Para vencer estes desafios, cada cidadão e eleitor deve entender e defender os princípios democráticos e as instituições que sustentam uma democracia. A cada eleição, devemos fazer mais perguntas do que buscar respostas em hipócritas de palanques e líderes de seitas.
O país tem uma história complexa e com péssimos relatores na luta pela democracia e pelos direitos civis. À medida que enfrentamos novos desafios, é essencial que os brasileiros continuem a defender valores morais e éticos coletivos.
Enfim, a história de que uma democracia se faz somente com a possibilidade de voto secreto, pode ser uma armadilha. Nada mais propício para alertar a população como relatar esta parte da história num 7 de setembro. Numa data cívica onde governadores civis desfilam em tanques de guerra. A possibilidade de uma democracia onde uma parte que deseja o poder está com armas e a outra parte não está, é uma aberração.
Independência e vida !
Questão (Tipo Enem !) (Bônus)
Sobre os últimos 100 anos de tenentismo no Brasil, é correto afirmar:
Opção A. Foi um conjunto de movimentos rebeldes, feitos por militares, que buscavam a paz social e cívica, e a estabilidade democrática.
Opção B. Foram movimentos de políticos insatisfeitos com os erros do Poder Executivo que tinha como objetivo restaurar a ordem constitucional e o equilíbrio entre os Poderes.
Opção C. Foram movimentos democráticos em que os oficiais militares encaminharam o desejo da maioria da população que o Legislativo não acolheu.
Opção D. Conjuntos de movimentos que reproduziam, de forma democrática, os desejos dos cidadãos, independente de classe social ou econômica.
Opção E. Uma repetição de movimentos rebeldes que sucederam-se de forma a atender a interesses corporativos e de segmentos da sociedade.
(1) “Golpes mortais e o 31 de março”
(2) “Diretas Já – 40 anos”
(3) “Entre sem bater – Mary Heaton Vorse – Filosofia de Ódio”
(4) “Revistando Montesquieu no Século XXI”
Imagem: Entre sem bater – Murillo de Aragão – O Neotenentismo do Século XXI
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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