Entre sem bater – Graham Greene – Uma Heresia

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Uma “Heresia” pode até ser sinônimo de liberdade ante alguma religião, mas Graham Greene nesta foi um fanfarrão.

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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

Graham Greene

Escrever sobre as frases, como acontece neste texto, sobre uma citação de Graham Greene, é muito enriquecedor. Confesso que li somente uma das obras deste escritor inglês, entretanto, ao pesquisar para este texto, gostei do que li. Com toda a certeza, é possível criar um livro inteiro a partir de suas frases em discursos e passagens de seus personagens. São, sem dúvida, mensagens interessantes para quem se qualificou como “agnóstico católico“⁽¹⁾.

Henry Graham Greene OM CH (2 de outubro de 1904 – 3 de abril de 1991) foi um escritor e jornalista inglês considerado por muitos como um dos principais romancistas do século XX. Combinando aclamação literária com popularidade generalizada, Greene adquiriu uma reputação no início de sua vida como um grande escritor, tanto de romances católicos sérios quanto de thrillers (ou “entretenimentos”, como ele os chamou). Ele foi selecionado várias vezes para o Prêmio Nobel de Literatura. Ao longo de 67 anos de escrita, que incluíram mais de 25 romances, ele explorou as questões morais e políticas conflitantes do mundo moderno. Ele recebeu o Prêmio Shakespeare de 1968 e o Prêmio Jerusalém de 1981. Ele se converteu ao catolicismo em 1926 após conhecer sua esposa, Vivien Dayrell Browning. Mais tarde na vida, ele passou a se autodenominar um “agnóstico católico“. Ele morreu em 1991, aos 86 anos, de leucemia.

Fonte: Wikipedia (Inglês)

Heresia

Surpreendentemente, Greene ganhou um prêmio no berço do teísmo (Jerusalém), onde uma guerra, neste momento, coloca religiões em conflito. É provável que muitas pessoas, atualmente, defendam que a guerra entre palestinos e israelenses tenha outra motivação senão a religião. Com toda a certeza, outros fatores entraram em ação e a frase de Greene tem muitos aspectos curiosos.

Ele, um agnóstico, falar de heresia quando a palavra e a ação tem punições até com a morte para praticantes cristãos, judeus e muçulmanos.

A frase fez parte do discurso de aceitação do Prêmio Jerusalém com o título de “Liberdade do Pensamento“. A inclusão da frase, no livro “O melhor do mau humor“, de Ruy Castro, carrega mais curiosidade e é instigante, naturalmente.

Será possível que Greene estava de mau humor ou o tal humor britânico de um agnóstico é assim mesmo. Contudo, vamos tentar mostrar como a heresia está nas três religiões em guerra e como a hipocrisia⁽²⁾ rege estes povos.

Religiões

A princípio, grosso modo, uma heresia é qualquer “crença ou teoria que esteja em forte desacordo com as crenças ou costumes“. Desse modo, considerando os preceitos judaicos, islâmicos e cristãos (com suas leis religiosas), tudo que afronta é uma heresia. Como se não bastasse, um herege, nas três religiões, pode receber desde uma censura, a excomunhão ou a pena de morte.

Desse modo, é incompreensível que cristãos, no Brasil, especificamente os evangélicos neopentecostais, usem a bandeira de Israel em seus cultos. Das duas uma, ou este povinho não entendeu nada e segue somente aquilo que quer de seu livro (a Bíblia) ou é muito burro.

Destarte, podemos concluir que o agnóstico católico quando se referiu a liberdade de pensamento, como sinônimo de heresia, estava zoando.

Liberdade de Pensamento

A frase de Greene evoca reflexões sobre a heresia no contexto das tradições monoteístas do cristianismo, judaísmo e islamismo.

Embora a heresia, muitas vezes, tenha viés negativo nessas religiões, sem ela não existiria a justificativa do pecado⁽³⁾. Hipoteticamente, essa divergência conceitual pode sugerir algum tipo de liberdade intelectual, #SQN.

Estas liberdade, raramente acontecem nestas religiões onde impera a intolerância, inclusive com as religiões semelhantes. Desse modo, trabalhamos somente com as três religiões do ocidente e Oriente Médio.

Outrossim, desconsideramos as religiões de matriz africana e orientais, pois a heresia é um conceito que não é comum a elas. A ideia de que as religiões seriam um catalisador para o progresso, a tolerância e a compreensão mais ampla de algo, inexiste.

A Heresia na Sombra da Ortodoxia

No cristianismo, a heresia tem associação com a divergência da imposição de doutrinas da Igreja. A história registra uma série de movimentos considerados heréticos, como o gnosticismo ou o arianismo, que desafiaram as visões ortodoxas da fé.

A contraposição entre heresia e liberdade de pensamento aqui é evidente. Portanto, o desvio da ortodoxia sofre severas repressões em nome da preservação da fé.

Contudo, a história também testemunha que algumas ideias heréticas, com o tempo, passam por revisão à corrente principal do pensamento cristão.

Galileo Galilei⁽⁴⁾, por exemplo, teve que desdizer o que disse, para fugir da fogueira, um herege que obteve absolvição séculos depois. Falar que a Terra girava em torno do Sol era uma heresia. Atualmente, muitos cristãos dizem que a Terra é plana, e não precisa nem rezar dez “pai nosso”.

A liberdade de expressão dentro do cristianismo muitas vezes coexiste com a rigidez doutrinária. Assim sendo, hipoteticamente, proporciona um terreno fértil para a dialética e a evolução intelectual. A heresia, longe de ser um inimigo, poderia desempenhar um papel fundamental na reformulação das crenças e na promoção do pensamento crítico.

Diversidade e Tradição

No judaísmo, a heresia é, frequentemente, uma ameaça à coesão da comunidade e à preservação da sua tradição milenar.

No entanto, a riqueza da tradição judaica alimenta-se, surpreendentemente, pela diversidade de pensamento.

É provável que a existência de diferentes correntes, como os fariseus e saduceus, ao longo da história sejam um indicativo desta diversidade.

OPS ! Esta convivência nunca foi pacífica e até nas guerras atuais, o radicalismo prevalece, cada um com suas heresias de estimação.

A contradição, neste caso, reside na necessidade de manter a coesão religiosa e cultural versus a liberdade de opinião.

A liberdade de expressão no judaísmo tem raízes na tradição do debate e na interpretação rígida das suas escrituras.

O Talmude, por exemplo, é prova da discussão intelectual e da multiplicidade de perspectivas dentro da comunidade judaica.

A heresia, sob a perspectiva de uma busca da verdade, pode sugerir algum tipo de catalisador para o florescimento do pensamento, exclusivamente judaico.

A Fronteira entre Fé e Razão

Por outro lado, ao contrário do cristianismo e judaísmo, no islamismo, a relação entre heresia e liberdade de pensamento é complexa.

A ortodoxia islâmica tradicionalmente valoriza a unidade da comunidade muçulmana.

Contudo, a história do islamismo também testemunha eras de grande florescimento intelectual, como a “Idade de Ouro Islâmica“. Tempos em que os muçulmanos contribuíram significativamente para a filosofia, ciência e medicina. Assim sendo, eles acreditam que seguir seus dogmas e preceitos é o único caminho.

Desse modo, aqueles que cometem heresias segundo o livro sagrado, recebem punições severas. Comportamentos e atitudes muitas vezes racionais, no mundo ocidental, podem ser heresia punível com a morte.

A contraposição no islamismo é, raramente, presente em debates contemporâneos sobre a interpretação do Alcorão e a aplicação da lei islâmica.

O desafio está em equilibrar a preservação da fé com a promoção de um pensamento crítico que respeite as tradições.

Desafio impossível, mesmo em tempos modernos e de revoluções sociocomportamentais.

É provável que a heresia nunca desempenhe um papel de mudança ou flexibilidade diante do pensamento islâmico.

Equilíbrio impossível

Certamente, se considerarmos as três religiões e seus livros sagrados, tudo que não for de cada uma delas, é heresia. Por isso, qualquer perspectiva de paz, reflexão e flexibilidade em relação às outras é impossível.

Falar em equilíbrio e tolerância, mesmo que uma determinada atitude não seja heresia, é impossível nestes tempos beligerantes. Heresia é, inquestionavelmente, matança numa guerra político-religiosa que sugere a busca pelo poder sobre os outros.

A interação entre heresia e liberdade de pensamento nas tradições monoteístas é de uma complexidade histórica. A ortodoxia religiosa dos radicais choca-se com qualquer modernidade ou com a hipótese do pensamento crítico.

Atualmente, é impossível que essas tradições, a liberdade de expressão e o pensamento divergente possam coexistir. A heresia será mais uma ameaça a qualquer posição dogmática ou reforma de crenças e leis sagradas.

Falsos Profetas

Em síntese, a relação entre heresia e liberdade de pensamento é um desequilíbrio eterno que não aceita nenhuma ponderação. A história mostra que a rigidez doutrinária extrema pode sufocar a inovação, a compreensão e a tolerância. Por outro lado, a liberdade de pensamento, mesmo tímida, pode levar à fragmentação e perda de identidade destas religiões.

Heresia na Bíblia

A busca pela verdade deveria acompanhar a tolerância o respeito mútuo e a flexibilidade. Desse modo, uma possível heresia teria castigos menores e a liberdade de expressão e o debate reformariam alguns dogmas. Contudo, os conflitos atuais, inclusive com participação de quem não é parte do problema, alimentam as tradições monoteístas e o sectarismo.

A frase de Greene é, com toda a certeza, uma piada de péssimo gosto e uma heresia ao humor sério. A destruição não é repentina.

 

⁽¹⁾ “Teísmo Agnóstico – Wikipedia”

⁽²⁾ “Hipocrisia Cristã e as redes sociais”

⁽³⁾ “Pecados Capitais – Do século IV ao século XXI”

⁽⁴⁾ “Entre sem bater – Galileo Galilei – Um Herege”

 

Imagem: Entre sem Bater – Graham Greene – Uma Heresia

Nota do Autor