Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. A “Verdade do Fato“, na maioria dos processos, como definiu Cesare Beccaria, atualmente, nunca vem à tona.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Cesare Beccaria
Cesar Beccaria viveu no epicentro do tsunami das mudanças políticas e com seus efeitos nos sistemas judiciários, 250 anos atrás. Destarte, é compreensível que ele suas ideias tivessem larga aceitação. Desde que os ideais de liberdade e justiça se expandiram, os pensamentos sobre crimes e castigos avançaram. Entretanto, quando a frase sobre a verdade do fato aparece, especialmente no Brasil, atualmente, nada podemos afirmar.
Cesare Bonesana di Beccaria, Marquês de Gualdrasco e Villareggio ( 15 de março de 1738 – 28 de novembro de 1794) foi um criminalista italiano, jurista, filósofo, economista e político , que é amplamente considerado um dos maiores pensadores da Era do Iluminismo. É muito lembrado pelo seu tratado Sobre Crimes e Castigos (1764), que condenou a tortura e a pena de morte, e foi uma obra fundadora no campo da dosimetria de penas e da escola clássica de criminologia . Beccaria é considerado o pai do direito penal moderno e o pai da justiça criminal. Segundo alguns estudiosos, as obras de Beccaria tiveram uma influência profunda nos “Pais Fundadores dos Estados Unidos”.
Fonte: Wikipedia (Inglês)
Verdade do Fato
A verdade do fato, ou da versão do fato, é que não podemos confiar muito quando juristas e juízes pensam somente nas penas e condenações. A hipotética imparcialidade do Judiciário nem sempre tem a compreensão da patuleia.
Vejamos, por exemplo, o caso recente do STF(1) e a comemoração de contraventores e criminosos sobre uma PEC inútil. O brasileiro, típico habitantes das redes sociais rasteiras, faz questão de defender sua ignorância e sustentar opiniões. Não raramente, nos grupos nas redes sociais surgem os “especialistas” que mal sabem “dar um Google” para defender sua opinião.
Em tempos de necessidades imediatistas e abandono total da proposta de compreender as coisas(2) antes de destravar a língua, perdemos! A verdade do fato não está na pauta nem do Judiciário onde o juízo transforma-se em inimigo de uma das partes.
Tim Maia tinha razão, nunca dará certo.
Imparcialidade x Parcialidade
“Quando um código fixo de leis, que deve ser observado à risca, não deixa ao juiz outra preocupação senão examinar os atos dos cidadãos e decidir se estão ou não em conformidade com a lei tal como está escrita; então o padrão do justo ou do injusto, que deve ser a norma de conduta tanto para o ignorante como para o cidadão filosófico, não é uma questão de controvérsia, mas de fato; só então os cidadãos não estarão sujeitos às pequenas tiranias de muitos, que são tanto mais cruéis quanto menor é a distância entre o oprimido e o opressor, e que são muito mais fatais do que as de um único homem, pois o despotismo de muitos só pode ser corrigido pelo despotismo de alguém; a crueldade de um único déspota é proporcional, não ao seu poder, mas aos obstáculos que encontra.”
Sobre Crimes e Castigos e Outros Escritos”.
Uma ameaça à justiça
O sistema judiciário é, a princípio e hipoteticamente um dos três pilares da democracia. Sem duvida, alguns fatos recentes no Brasil demonstram, para alguns, a importância do Poder Judiciário.
A ideia de equilíbrio entre os três poderes adveio da proposta de derrubada do absolutismo, na Revolução Francesa. Entretanto, alguns dos pensadores franceses, como Montesquieu, não viam o Poder Judiciário equiparável ao Legislativo e Executivo.
A história é longa, mas voltando à nossa pauta, a parcialidade de integrantes do Judiciário ferra com a estrutura democrática.
Certamente, os operadores do Judiciários são responsáveis por garantir o cumprimento da lei e a proteção dos direitos de todos os cidadãos. Para isso, é essencial que os juízes, da primeira à última instância sejam imparciais, equidistantes e independentes.
A imparcialidade significa que os juízes devem julgar os casos com base nas provas (verdade do fato) e na legislação. Por isso, qualquer influência de fatores externos, como amizades, inimizades ou preconceitos corrompe o processo. Por exemplo, quando indica um ministro do STF por ele ser “terrivelmente evangélico“, temos uma interferência criminosa. É provável que o artigo da Constituição (CF/88) sobre o país ser laico, não esteja mais vigorando, vai saber …
Por outro lado, a independência e equidistância, dizem que os juízes devem estar livres de pressões, seja de governos, empresas ou grupos de interesse.
No entanto, a parcialidade dos juízes é uma realidade que ameaça a justiça desde a mais ínfima junta de conciliação. Ela ocorre no Brasil por diversos motivos, como amizades, inimizades, preconceitos, ou até mesmo interesses pessoais.
Amizade e inimizade
A amizade entre um juiz e uma das partes envolvidas em um processo gera, sempre, uma situação de conflito de interesses. O juiz pode ser mais benevolente com o amigo, ou mais rigoroso com o inimigo.
Essa situação está presente no filme “O Processo“, de Franz Kafka. O protagonista, Josef K., sofre acusação por um crime que não cometeu. O juiz que o julga é um velho amigo de seu pai. K. percebe que o juiz apresenta uma tendência para condená-lo, mesmo sem provas. É provável que todo cidadão, não somente no Brasil, pode relatar casos semelhantes, e não estamos falando de ficção.
No Brasil, a amizade entre juízes e advogados das partes é uma prática comum. Muitos juízes costumam frequentar os mesmos eventos sociais que os advogados, e acabam criando relações de amizade com eles. Certamente, é uma situação conflituosa, com um juiz mais, ou menos, benevolente com as versões das partes e não com a verdade do fato.
Preconceitos
Os preconceitos também podem levar à parcialidade dos juízes. Por exemplo, um juiz que manifesta preconceito racial será mais rigoroso com um réu negro.
O preconceito(3), eventualmente, é inconsciente, o que torna ainda mais difícil de detectá-lo e mais fácil do senso comum aceitar. No entanto, esta atitude provoca impactos negativos nos resultados dos julgamentos e pode ficar submerso dentro do processo.
Sou testemunha de um destes absurdos, um juiz graduado, antes de ouvir a defesa de uma advogada, fez algumas considerações. O juiz-desembargador falou da roupa da advogada e da aparência dela diante dele. A mulher, não-branca, teve enorme prejuízo na sua defesa por uma opinião do magistrado, por puro preconceito.
Interesses pessoais
Os interesses pessoais também podem levar à parcialidade dos juízes. Por exemplo, um juiz que é candidato a um cargo político pode ser mais leniente com um réu que é apoiador de sua campanha.
Esse tipo de parcialidade é mais difícil de detectar, pois é difícil provar que o juiz agiu com base em seus interesses pessoais. No entanto, ela pode ter um impacto significativo na justiça tempos depois.
Existem rumores que políticos ajudam pessoas a entrarem para o serviço público, no Judiciário e órgãos de controle, para “cobrarem” favores, posteriormente.
Banquete de Consequências
A parcialidade dos juízes promove um banquete de consequências(4) extremamente graves para a justiça.
Com toda a certeza, qualquer parcialidade leva à condenação de inocentes, à absolvição de culpados, ou à aplicação de penas injustas.
No Brasil, a parcialidade dos juízes é um problema que recebe denúncias de diversos setores da sociedade.
Em 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu um relatório sobre a situação da justiça no Brasil. O relatório apontou que a parcialidade dos juízes é um dos principais problemas da justiça brasileira. Como se não bastasse, processos em que a “venda de sentenças“(5) é a principal acusação, se avolumam nas gavetas do Judiciário.
Luta Inglória
Em suma, os mecanismos que beneficiam e incentivam a parcialidade são superiores àqueles para combatê-la.
Para combater a parcialidade dos juízes, é necessário a adoção de procedimentos que promovam a transparência total do Judiciário. E esta transparência poderia utilizar-se das modernas tecnologias já disponíveis. Resta saber do interesse de todos os operadores do Direito, não somente os ministro e juízes, nesta transparência.
Algumas medidas que, por exemplo, podem ter implementação imediata incluem:
- A criação de um sistema de controle externo da magistratura, independente do Poder Judiciário;
- A divulgação dos processos judiciais de juízes e operadores do Direito para o público;
- A determinação de impedimento de juízes e advogados em função das relações de amizade e inimizade verificáveis.
Enfim, a sociedade deve sair do patamar de “seguidores de opinião” e refletir sobre a verdade do fato, para cada caso. Devemos, acima de tudo, não fazer analogias e transliterações pois cada caso é uma caso, sempre.
A sociedade deve saber separar os poderes e seus braços auxiliares, deve estar atenta aos abusos que agentes de autoridades praticam. E devemos, sobretudo, exigir que as autoridades tomem medidas para garantir a imparcialidade dos julgadores, juízes e ministros..
(1) “Entenda a PEC do STF … – O Tempo”
(2) “Entre sem bater – Upton Sinclair – Compreender as Coisas”
(3) “Entre sem bater – Voltaire – Preconceito”
(4) “Entre sem bater – Robert Stevenson – Banquete de Consequências”
(5) “Compre um juiz por R$750 – Intercept Brasil”
Imagem: Entre sem Bater – Cesare Beccaria – Verdade do Fato
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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