Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Juvenal, não confie em nenhum “Guardião“, nem a pau, depois não venha reclamar.
Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.
As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Juvenal
O Juvenal não confiava na esposa e nem no guardião do guardião. Daí veio uma história que está ficando séria nos dias atuais. Para o Juvenal as opções eram muitas, e nenhuma delas era desesperadora como nos dias de hoje. Não é possível confiar em ninguém e as pessoas nos chamam de paranoicos. Este povo ainda não entendeu da missa metade.
Decimus Junius Juvenalis (conhecido em inglês como Juvenal), viveu, provavelmente, entre d.C. 55 – d.C. 140 e foi um poeta romano ativo no final do primeiro e início do segundo século d.C. É autor da coleção de poemas satíricos conhecidos como Sátiras. Os detalhes da vida de Juvenal não são claros, embora referências fixem a data mais antiga de sua composição no Século II. Um estudioso da história argumenta que seu primeiro livro foi publicado em 100 ou 101. Uma referência a uma figura política data seu quinto e último livro sobrevivente em algum momento depois de 127. Juvenal escreveu pelo menos 16 poemas na forma poética de um hexâmetro dactílico. Esses poemas cobrem uma variedade de tópicos com relação direta aos romanos da sua época.
Fonte: Wikipedia (Inglês)
O Guardião
Anteriormente, usei uma espécie de paráfrase para o pensamento e frase cuja criação recai para Juvenal. A figura do guardião original teve uma substituição, necessária, para vigilantes, mas a ideia era a mesma de dois milênios atrás.
Quis custodiet ipsos custodes?
O enredo pode parecer complexo, mas é fácil demais para entender e traçar muitas analogias. Atualmente, estamos vivenciando o noticiário sobre uma certa ferramenta de Estado como um guardião de pessoas. Quem vigia aqueles que usam a tecnologia para vigiar os outros.
O poema, com muita polêmica sobre origem e traduções era mais ou menos assim…
… Conheço o plano que meus amigos sempre me aconselham a adotar:
“Aperte-a, restrinja-a!”
Mas quem pode vigiar os vigias?
Eles ficam calados sobre os segredos da mulher e a recebem como pagamento; todo mundo silencia.
Oxoniensis (29-33)
Os amigos(?) de Juvenal o aconselhavam a cuidar da esposa para não levar bola nas costas. Ele não confiava na mulher e nem no guardião que vigiava a mulher. História antiga, que repete-se milhares de vezes por dia, e os caras agora matam a mulher para resolver o problema. Não querem nem dar a chance para um guardião eunuco.
Quem vigia o vigia?
No turbilhão da era digital, a frase de Juvenal, “Quis custodiet ipsos custodes?” (Quem vigia os vigias?), ressurge com uma força inédita. Desse modo, fatos recentes alimentam debates e polarização sobre o poder do Estado em ter acesso aos dados das pessoas. Por isso, a ameaça iminente que as modernas tecnologias impõem à privacidade individual é real.
Certamente, o que antes era ficção nos tempos analógicos agora se tornou uma dura realidade, sem um guardião pra chamar de meu. Estamos, sem dúvida, à mercê de qualquer um que controle as ferramentas tecnológicas disponíveis, inclusive déspotas não-confiáveis.
O advento da era digital trouxe consigo uma explosão de informações e contrainformação, alimentando o exercício da vigilância em larga escala. Se antes a figura do araponga tinha a possibilidade de vigilância de um guardião, agora nem isso para o povo. Anteriormente, as investigações obscuras eram lentas e analógicas, hoje a ameaça à privacidade é ampla, ágil e 24×7.
Enfim, as modernas tecnologias permitem que o Estado e até criminosos acessem muito mais do que nossas informações pessoais. Surpreendentemente, podem fazer ilações e até fake news a partir de dados reais. Podem obter nossa localização geográfica em tempo real e o conteúdo das mensagens que trocamos.
Perdemos !
Ameaça vs. Proteção
O debate em torno desse tema é complexo e se contratamos um guardião (vigia) precisamos nos preocupar em quem vai vigiá-lo. Paranoia pouca é bobagem, e depois dizem que eu é que não sou normal.
De um lado, há argumentos que defendem a necessidade de uma vigilância estatal robusta em nome da segurança pública. O Estado, argumentam outros, deve ter meios eficazes para combater crimes, investigar atividades suspeitas e proteger os cidadãos.
Mas o Estado parece que tem ferramentas que não conhecemos e que não divulgam. As tecnologias modernas, como câmeras de vigilância, reconhecimento facial e monitoramento de comunicações apresentam um uso cotidiano.
Surpreendentemente, há alguns anos os estúdios de Hollywood produzem séries e filmes sobre o tema. Inclusive, já escrevi sobre a produção “Privacidade Hackeada“(1), dentre outros. Inquestionavelmente, os retornos que recebi indicam que as pessoas viram a produção somente como diversão. Uma outra série (“Person of Interest(*) – 2011-2016) apresenta um mundo, a princípio, distópico, mas que está nas manchetes da mídia.
Por outro lado, os defensores da privacidade ressaltam os riscos inerentes à coleta indiscriminada de dados. A possibilidade de abusos por parte do Estado, vazamentos de informações sensíveis e a criação de um estado de vigilância constante geram preocupações legítimas.
Afinal, quem garante que as instituições responsáveis pela vigilância não se tornem elas mesmas agentes de opressão?
Nem a pau, Juvenal!
Certamente, é impossível saber que o criador da campanha publicitária conhecia o Juvenal satírico. Entretanto, a gíria “nem a pau“, com o nome Juvenal, virou um bordão clássico. Noves fora os trocadilhos possíveis do dilema de Juvenal e o guardião da sua esposa, parece uma piada, mas não é.
O paradigma da vigilância também se desloca para o âmbito das organizações não-governamentais. Por meio de aplicativos, redes sociais e dispositivos inteligentes as plataformas, coletam uma quantidade massiva de dados dos usuários. A linha que separa a esfera pública da privada torna-se tênue. A pergunta de Juvenal ganha nova dimensão: quem vigia as corporações que acumulam nosso rastro digital?
Com toda a certeza, não existe nenhum guardião disposto a nos ajudar contra a sede insana deste povo pelos nossos dados.
Se continuar desse jeito, eu diria que nem a pau, Juvenal, dá para não ter um guardião vigiando o vigia.
LGPD e Privacidade
Na arena digital, a privacidade é uma mercadoria valiosa, em negociação frequente na troca de conveniência ou serviços, aparentemente, exclusivos. A conscientização sobre os riscos e a necessidade de regulações que protejam os direitos individuais torna-se urgente.
Quem define os limites da vigilância estatal e corporativa?
Quais são os mecanismos de prestação de contas quando ocorrem abusos?
A criação de uma LGPD, de uma agência de governo para isso é quase sem compreensão e aplicação, uma lei que não pega(2).
O debate não se limita apenas ao âmbito nacional, pois as tecnologias ultrapassam fronteiras, colocando desafios globais. A cooperação internacional torna-se crucial para estabelecer padrões éticos e jurídicos que protejam os direitos fundamentais.
Enfim, o equilíbrio delicado entre a necessidade de segurança e a preservação da privacidade é um desafio complexo. Clamar por uma reflexão profunda da sociedade é completamente inútil. A frase de Juvenal repete-se, em meio às maravilhas tecnológicas e inovação sem limites e sem controle. A proteção da liberdade e da privacidade individual deve ser uma prioridade constante de cada um.
Quem vigia os vigias? A resposta a essa pergunta moldará o futuro de nossa sociedade digital.
Toc … toc … toc … Juvenal, aceita que dói menos e “Amanhã tem mais …”
P. S.
(*) Na série, um desenvolvedor resolve ser o justiceiro a seu critério. E recebe coordenadas das pessoas do interesse de um software de IA.
(1) “Privacidade Hackeada“
(2) “Show me the Code – Ou a LGPD ´não pega`“
Imagem: Entre sem Bater – Juvenal – O Guardião
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
- Os textos de “Entre sem bater” são opinativos/informativos, inquestionavelmente com o objetivo de estimular a reflexão e o debate.
- Sugestões, indicações de erro e outros, uma vez que tenham o propósito de melhorar o conteúdo, são importantes. Basta enviar e-mail para pyxis at gmail.com, página do Facebook, associada a este Blog, ou perfil do Twitter, Threads, Koo etc.
- Alguns textos sofreram revisão, outros ainda apresentam erros (inclusive ortográficos) e sofrerão correção à medida que se tornam erros graves (inclusive históricos).
- Algumas passagens e citações podem parecer estranhas mas fazem parte ou referem-se a textos ainda inéditos.