Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” (← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Sylvia Pankhurst teve educação de qualidade a partir da educação e práxis de seus pais. Assim sendo ela pode defender o “Comunismo” e, ao mesmo tempo, fazer a crítica construtiva.
Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.
As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Sylvia Pankhurst
É provável que Sylvia Pankhurst seja uma completa “Maria ninguém“(*) da totalidade dos leitores desses textos de “Entre Sem Bater”. No entanto, a história dela como ativista política e feminista deveria ter maior atenção de todos. Certamente, anticomunistas, antifeministas, vassalos de oligarquias nunca ouviram falar. Desse modo, mesmo que suas poucas frases habitem os sites e portais, ela merece mais do que esta simples deferência.
Estelle Sylvia Pankhurst (5 de maio de 1882 – 27 de setembro de 1960), ativista política, escritora feminista, socialista e artista inglesa. Nasceu em Old Trafford, Manchester, em 5 de maio de 1882, filha de Dr. Richard Marsden Pankhurst, um advogado, e de, Emmeline Pankhurst, ativista política. Sylvia passou a infância em uma família imersa em políticas radicais e campanhas pelos direitos das mulheres. Após encontros com o ativismo laboral liderado por mulheres nos Estados Unidos, trabalhou para organizar as mulheres da classe trabalhadora no East End de Londres. Isto, juntamente com a sua recusa em 1914 em entrar numa trégua política em tempo de guerra com o governo, fez com que ela rompesse com a liderança sufragista da sua mãe e irmã, Emmeline e Christabel Pankhurst. Pankhurst saudou a Revolução Russa e consultou-se com Lênin em Moscou. Ela rejeitou a linha leninista do partido comunista e criticou a ditadura bolchevique. Pankhurst foi vocal em seu apoio à independência irlandesa; pela luta anticolonial em todo o Império Britânico; e pela solidariedade antifascista na Europa. Dedicou-se à causa da Etiópia onde, após a Segunda Guerra Mundial, passou os anos restantes como convidada do imperador Haile Selassie. A circulação internacional do seu semanário pan-africanista foi relevante no desenvolvimento do nacionalismo africano, e do movimento Rastafari na Jamaica.
Wikipedia (inglês)
O Comunismo
Em primeiro lugar, pode parecer estranho que a frase de uma feminista-comunista do Século XX aplique-se a este texto. Tentei buscar uma frase de alguém tupiniquim, em vão. A maioria das frases, sobretudo as pronunciadas por celebridades, são irônicas ou críticas e sem propósito.
Em suma, a palavra e o sentido do comunismo, no Brasil, é alvo da ignorância que se multiplica por mil nas redes sociais. Como se não bastasse a proliferação de sandices e intolerância, lendas e crenças pululam a cada postagem. Falar ou escrever sobre comunismo no Brasil é como tentar explicar a uma mãe que não é boa a lenda do “homem do saco”. Do mesmo modo, versões de que comunista come criancinhas proliferam em meios cristãos-evangélicos. Além disso, a narrativa sobre os que participaram do Foro de São Paulo são piores do que os ataques da OTAN ao Pacto de Varsóvia.
Enfim, escrever um texto sobre o comunismo, para brasileiros, exige paciência, pesquisa e muito mais palavras do que o normal. Desse modo, preparem-se para um texto além do normal desta trilha. Adicionalmente, os links para referências são até necessários e não meros complementos.
Concordar ou discordar do comunismo é admissível, contudo, para refutar o que está escrito, é preciso escrever a réplica.
Vamos aos pontos que podem provocar contraponto, ou não …
Século XXI
Alguns perfis questionam, até com alguns fundamentos razoáveis, a existência do comunismo no Século XXI. Os que questionam defendem, com toda a certeza, privilégios(1) capitalistas, os quais a maioria não usufruiu. Os verdadeiros capitalistas colocam seus serviçais, especialmente nas redes sociais, para defenderem a ideologia.
Desse modo, só resta a estes serviçais perguntas como: – Onde o comunismo funciona? E, surpreendentemente, quando referencia-se a China, alguns dizem que “… a China não é comunista(2) …”.
De certa forma, é uma verdade, se compararmos com o comunismo e os ideais comunistas desde Marx e Engels. Mas esta história é longa e não é neste texto que respostas mais precisas são possíveis e consistentes. Se é que podemos sonhar, este texto é somente uma provocação para que as pessoas reflitam sobre o que sabem do comunismo.
Separamos alguns tópicos que, atualmente, provocam hordas de experts nas redes sociais e que podem estar num caminho errado.
Homem do Saco
No imaginário popular brasileiro, a figura do “homem do saco“(3) serve como um artifício para disciplinar crianças. Uma ameaça fantasmagórica, pronta para punir o mau comportamento com o sequestro e a perdição. De maneira semelhante, o comunismo, especialmente na visão de evangélicos neopentecostais, assume um papel similar. A personificação do comunista é uma ameaça aos valores tradicionais e corromper a frágil fé deles.
Essa associação entre comunismo e maldade, que líderes neopentecostais disseminam, parte de distorções históricas do comunismo. Certamente, erros e desvios existem, como em todos os sistemas, mas o uso somente dos erros é uma falácia. Sylvia Pankhurst, uma europeia, visitou o centro do comunismo no início do Século XX, e tomou seu próprio caminho.
Ao ignorar a complexidade do movimento comunista, reduzindo-o a uma caricatura simplista e demoníaca, os religiosos pecam. Essa estratégia é muito eficiente para controlar o comportamento e atitude dos fiéis. Por outro lado, com o amplo uso nas redes sociais, gera desinformação e alimenta o ódio ideológico.
A versão do ‘”homem do saco” tornou-se universal e com viralização está sem controle.
Santo Comunista
É interessante notar que a figura central do cristianismo, Jesus Cristo, poderia ser um tipo de comunista. Em outras palavras, considerando os princípios básicos do comunismo estão sempre estiveram no livro. Ou seja, a mensagem de igualdade, justiça social e amor ao próximo se alinha com os ideais de uma sociedade sem diferenças de classes.
Por isso, ao demonizar o comunismo, estes religiosos se distanciam dos ensinamentos de Cristo que eles dizem ser corretos. A caridade e a compaixão, valores pregados por Jesus ou outros profetas, dão lugar ao medo, à paranoia e às ameaças. É importante lembrar que o comunismo, como qualquer ideologia, possui diferentes correntes e interpretações. Reduzir um movimento tão complexo a um monstro de sete cabeças é uma deturpação criminosa.
Em suma, em tempos de polarização e extremismo, seria melhor buscar o diálogo e a compreensão mútua, o que é impossível. Demonizar o “outro” apenas alimenta a divisão e o ódio e não é somente os religiosos que assim o fazem.
Socialismo e Comunismo
Inquestionavelmente, o Brasil nunca foi uma nação que passou perto de algum governo que fosse socialista ou comunista. Entretanto, personagens da política, servos e beneficiários do sistema, insistem nas suas teorias ideológicas. Desde 1815, com a maldição do tal “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves“, vivemos uma grande mentira. Infelizmente, até alguns estudantes de História questionam a possibilidade de que 1808 foi nossa ruína.
A história do Brasil registrou uma série de transformações políticas, econômicas e sociais. Entretanto, uma constante permeia seu desenvolvimento e história: a presença e a influência das oligarquias capitalistas.
Contrariando interpretações simplistas, nunca em nossa história, tivemos resquícios de um país socialista ou comunista. O Brasil, sem dúvida, nunca abraçou tais ideologias, permanecendo sob o domínio das elites econômicas desde 1500 até hoje.
Colônia Moderna
Desde que Cabral aqui aportou, o Brasil é uma extensão dos interesses econômicos das potências colonizadoras. Inicialmente foi Portugal e posteriormente, após a independência, as elites agrárias locais. O modelo econômico baseava-se na exploração de recursos naturais (extrativismo, como ensinam os livros). Desta forma, principalmente através do trabalho escravo, o objetivo era o enriquecimento das classes dominantes.
Esse sistema, nunca representou qualquer forma de socialismo ou comunismo, pelo contrário. Era, em síntese, uma expressão clara do capitalismo selvagem, onde o lucro era prioritário e a desigualdade social extrema.
Mesmo com a independência política em 1822, as estruturas de poder permaneceram do mesmo modo. A elite agrária, dos grandes latifundiários, consolidou seu controle sobre a economia e a política brasileiras. A abolição da escravidão em 1888, surpreendentemente, passou longe de ser um movimento socialista. E, ainda hoje, até alguns negros assumem uma posição negacionistas quanto aos malefícios da escravidão para a nação. De acordo com alguns historiadores, a abolição foi decorrente de pressões internas e externas, das oligarquias. Desse modo, visavam melhor servir aos interesses capitalistas transnacionais emergentes.
Repúblicas “Velhas”
As adjetivações de cada fase da República no Século XX são assustadoras, todas velhas e anacrônicas. República Velha, República Nova, Brasil Novo, enfim, muita propaganda, pouca mudança e nenhum socialismo ou comunismo. Muito movimento com nome de revolução, mas nenhuma mudança de regime.
Durante o século XX, o Brasil testemunhou períodos de turbulência política e tentativas de reformas sociais. Contudo, em nenhum momento essas iniciativas representaram uma verdadeira adesão ao socialismo ou comunismo. O período conhecido como República Velha (1889-1930) teve domínio da política dos “governadores”. As oligarquias estaduais exerciam enorme influência sobre o governo central através de seus governadores. Desse modo, repetidamente, os interesses das elites econômicas prevaleciam, ditando todas as políticas públicas.
Mesmo com a ascensão de movimentos sociais e políticos de esquerda ao longo do século XX pouco mudou. Até mesmo os movimentos tenentistas, as ligas camponesas e outros não tiraram o poder das oligarquias capitalistas. O período do Estado Novo (1937-1945), de Getúlio Vargas, é um falso exemplo de autoritarismo de esquerda. Sua orientação política era, inegavelmente, uma mistura de nacionalismo, populismo e autoritarismo. Embora possam ter alguma semelhança, em essência, a ditadura Vargas sempre esteve distante dos princípios socialistas ou comunistas.
Industrialização e Tecnologia
A industrialização do país a partir da década de 1950, com incentivos do governo de Juscelino Kubitschek mudou o perfil das oligarquias. Essa industrialização que consolidou-se durante o regime militar (1964-1985), se deu em grande parte em benefício das elites econômicas. Por outro lado, desde então, como comprovação na última década, os avanços são em detrimento das classes trabalhadoras. Mesmo nas tentativas de implementar políticas sociais mais inclusivas (João Goulart 1961-1964) e outros pouco mudou. Até mesmo com a redemocratização, as estruturas de poder permaneceram essencialmente as mesmas, com domínio das oligarquias.
Em suma, a história do Brasil é de pleno domínio das oligarquias capitalistas, não do socialismo ou do comunismo. Desde a colonização até os dias atuais, as elites econômicas moldam o curso do país de acordo com seus próprios interesses. Desse modo, perpetua-se a desigualdade e a exclusão social e com o avanço de tecnologias como a IA, aumentam as diferenças e amplia-se a desigualdade. Qualquer análise que sugira o contrário negligencia os fatos históricos e a realidade política e econômica brasileira. Como se não bastasse surgem elites de parasitas como os religiosos que vivem da exploração da fé. São muito piores do que os capitalistas que exploram o trabalho.
A industrialização e o avanço das tecnologias, com as campanhas digitais falsas e enganosas, podem tornar o país muito pior. Enfim, enquanto o cidadão continuar escolhendo políticos por conta de identificação pessoal ou religiosa, o caminho é errado. O socialismo e o comunismo deveriam ao menos merecer a compreensão das pessoas e um debate honesto, longe das redes sociais.
Ao invés de alimentar o medo do “comunista fantasma“, os evangélicos neopentecostais deveriam se inspirar em ditames cristãos. Deveriam tentar construir uma sociedade mais justa e igualitária, valores que, ironicamente, se aproximam dos ideais comunistas.
Sylvia Pankhurst em 1923
Uma frase de Sylvia Pankhurst, mais de cem anos atrás, aplica-se perfeitamente ao Brasil de hoje.
“… Vou lutar contra o capitalismo mesmo que ele me mate. É errado que pessoas como você estejam confortáveis e bem alimentadas enquanto ao seu redor as pessoas estão morrendo de fome …”
Ressuscita, Jesus !!!
“Amanhã tem mais …”
P. S.
(*) A princípio, nas pesquisas sobre a autora da frase, Sylvia Pankhurst, inexistem referências consistentes no Brasil e em português.
Referência textual preliminar: – Série “Ponto de Virada: A Bomba e a Guerra Fria” – Netflix
(1) “Entre Sem Bater – Milton Santos – Os Privilégios“
(2) “Entre Sem Bater – Érico Veríssimo – O Comunista“
(3) “Papa-Figo ou Homem do Saco“
Imagem: Entre sem Bater – Sylvia Pankhurst – O Comunismo
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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