Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” (← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento de muitos, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Parece que, a cada evolução tecnológica, o pensamento de Voltaire sobre “Livros” parece ser inspiração destes tempos modernos.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Voltaire
Voltaire era um defensor da liberdade de expressão, dentre outras liberdades que, atualmente, têm um cerceamento cruel. É provável que ele não confundiria liberdade de pensamento com distribuição de fake news e o compartilhamento de mentiras. E, com toda a certeza, seria vítima de preconceito gratuito, se vivesse hoje. E, como se não bastasse, a cada pensamento do iluminista francês(*), como sobre os livros, o preconceito(1) e a ignorância se confirmam.
As frases de Voltaire estarão na pauta desta trilha (Entre sem bater) com alguma constância, são bastante atuais.
François-Marie Arouet ( 21 de novembro de 1694 – 30 de maio de 1778) foi um escritor, historiador e filósofo iluminista francês. Conhecido pelo pseudônimo ( nom de plume ) M. de Voltaire, era famoso por sua inteligência, e sua crítica ao cristianismo. Era ferrenho opositor da Igreja Católica Romana e dos regimes que praticavam a escravidão. Voltaire era um defensor da liberdade de expressão, liberdade de religião e separação entre igreja e estado. Voltaire foi um escritor versátil e prolífico, produzindo obras em quase todas as formas literárias, incluindo peças de teatro, poemas, romances, ensaios, histórias e exposições científicas. Voltaire escreveu mais de 20.000 cartas e 2.000 livros e panfletos e propiciou muitas outras ideias e pensamentos de seus seguidores.
Fonte: Wikipedia (inglês)
Os Livros
Quando abordamos um tema simples, como a palavra livros, é provável que todos os leitores não consigam passar do primeiro parágrafo. Certamente, em muitos casos, como algumas constatações e depoimentos que recebo, muitos não vão além do título e destaque do texto. Surpreendentemente, na era da informação e num mundo digital com tudo ao alcance com um toque de dedo, ficou quase impossível ler um livro.
Com toda a certeza, se adicionarmos à palavra livro algum adjetivo como livro raro ou livro antigo(2), as pessoas se afastam de vez. A sociedade moderna, especialmente as gerações mais novas, mal conseguem ler textos com mais de 280 caracteres. Muitos livros perderam espaço para vídeos (alguns de menos de 15 segundos) e temos experts em qualquer assunto.
As coisas estão estranhas, sobretudo quando falamos sobre livros, que só de tentar conversar com pessoas de gerações diferentes sobre livros é difícil. E não se enganem aqueles que aparecem para defender que os mais novos optam pelos livros digitais. Livros têm, precipuamente, a função de passar para quem os lê, uma visão de determinado tema. Não importa se é uma ficção, romance, conto ou crônica o gênero do livro. O leitor lê e tira suas conclusões e interpretações. A substituição de livros por vídeos, com ou sem dancinhas, e conteúdos de 280 caracteres são, na maioria dos casos, opiniões e versões.
Assim sendo, tornou-se difícil a luta do fato(3) contra a versão. Em suma, o abandono dos livros, impressos ou digitais, pode determinar o fim da nossa sociedade.
Sociedade em Vertigem
Decerto, nosso mundo atual está sob domínio da velocidade e superficialidade, aceitar vai doer bem menos. Desde que a informação se propaga em um piscar de olhos, a atenção aos livros e textos longos, é uma raridade. Desse modo, surge o que podemos, atualmente, denominar como uma sociedade em vertigem.
Em outras palavras, uma realidade frenética, onde o senso crítico se esvai em meio a um turbilhão de estímulos fugazes. A busca pelo conhecimento e por fatos cede espaço à superficialidade, aridez e irracionalidade das ideias. Por isso, quando Voltaire diz “… coisas estúpidas que o rebanho vulgar se contenta em engolir todos os dias… “, duvidamos. É muito difícil de imaginar que Voltaire utilizava termos como rebanho e coisas estúpidas, ao compararmos com a situação recente no Brasil.
A leitura de livros, outrora pilar fundamental da construção do conhecimento e do pensamento crítico, parece sucumbiu ao tsunami tecnológico. Livros e textos consistentes, que convidam à reflexão e à imersão em diferentes universos, perdem espaço para a tirania dos 280 caracteres. Como se não bastasse, as parcas legendas de dancinhas banais e as fake news, criação de mentes malignas, não têm limites. Desta forma, as pessoas recebem um enorme fluxo de informações em pedaços e sem profundidade. Por isso, tornam-se incapazes de se concentrar, de analisar criticamente e de construir conexões com outros acontecimentos.
Nesse cenário, a vertigem se manifesta como um descontrole emocional, uma ausência de razão e um desvario que se instala gradativamente. A incapacidade de se aprofundar em leituras densas gera um vazio intelectual, preenchido por conteúdos supérfluos e sem valor real. A mente se torna refém da instantaneidade, presa aos estímulos imediatistas, que a impedem de alcançar o mínimo discernimento.
Banquete de Consequências
O banquete de consequências(4) dessa alienação são graves e abrangentes. A sociedade em vertigem se torna mais suscetível à manipulação, pois o senso crítico, sem uma leitura crítica, torna-se incapaz. A possibilidade de discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, entre o relevante e o irrelevante é, sem dúvida, muito difícil. A capacidade de argumentação lógica e de formular pensamentos próprios se deteriora de maneira assustadora.
Por exemplo, em uma escola particular numa grande capital, uma aluna em aula, questiona a professora que fala sobre leis e constituição. A aluna diz que um determinado ministro do Poder Judiciário extinguiu uma determinada lei. Qualquer apedeuta sabe que quem cria ou extingue leis está no Poder Legislativo. Maldita inclusão digital que ignorantes contumazes correm atrás de qualquer legislador que sabe publicar vídeos no Tik Tok. Este exemplo é, inquestionavelmente, uma amostragem das consequências da aceitação passiva de informações sem questionamentos. E a professora ainda corre o risco de perder o posto de trabalho pela estupidez congênita de uma aluna, filha de pais ignorantes. Que falta que a leitura de livros faz para a nossa sociedade.
Leitura
A omissão da leitura como ferramenta de desenvolvimento intelectual e crítico transforma a sociedade em um rebanho dócil. Desta forma, as pessoas e grupos podem, facilmente, submeterem-se àqueles que detêm o poder de moldar as narrativas. A passividade e a apatia se instalam, impedindo o questionamento e qualquer solução para os desafios que a humanidade enfrenta.
Alguns, muito otimistas, insistem que ainda há esperança, e que estas mesmas tecnologias vão vencer a maioria dos ignorantes. A vertigem não é um destino inevitável, mas quando se queima livros ou os proíbe em escolas, alguma coisa está errada. Acreditar que é possível resistir à tirania da superficialidade e resgatar o valor da leitura é utopia. A transformação individual e social não acontecerá sem a reflexão crítica e a defesa da leitura de livros e textos de qualidade.
É provável que, se incentivarmos a leitura desde a infância, e promovermos o acesso a livros a sociedade saia desta vertigem. Além disso, criar ambientes propícios à imersão no universo dos livros e outras publicações é essencial para combater a alienação geral. Resgatar o prazer de ler, outrossim, permite a conexão com diferentes culturas e ideias, e a se aventurar em mundos imaginários. Somente assim, teremos a perspectiva de compreender melhor a nós mesmos e o mundo ao nosso redor.
Enfim, a leitura é a chave para romper o ciclo da vertigem e construir pontes sólidas sobre o abismo da ignorância. Através dela, podemos cultivar o senso crítico, desenvolver o pensamento autônomo e conquistar a liberdade intelectual e mental. Por outro lado, do modo que avançamos, Voltaire vai poder dizer: Eu avisei!
“Amanhã tem mais …”
P. S.
(*) Admiro, sobremaneira, os iluministas. Inquestionavelmente, aqueles tempos produziram pensadores memoráveis, quase comparáveis aos filósofos pré-socráticos.
(1) “Entre Sem Bater – Voltaire – Preconceito”
(2) “Entre Sem Bater – Antonio de Guevara – Livros Antigos”
(3) “Entre Sem Bater – José Maria Alkmin – Do Fato e da Versão”
(4) “Entre Sem Bater – Robert Stevenson – Banquete de Consequências”
Imagem: Entre sem bater – Voltaire – Os Livros
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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