Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. A pergunta essencial sobre escravidão teve uma resposta de Makota Valdina: “… somos descendentes de seres humanos “Escravizados“.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Makota Valdina
Makota Valdina foi pioneira no seu tempo(*). Certamente, quando se qualificou para ser educadora, colocou em prática seus dons educacionais. Sua percepção de como os descendentes de africanos sofriam maus tratos lhe deu, com toda a certeza, a experiência para educar.
Valdina de Oliveira Pinto conhecida como Makota Valdina ( Salvador da Bahia , 15 de outubro de 1943 – 19 de março de 2019 ) foi uma educadora, ativista comunitária e líder religiosa brasileira, defensora da preservação de raízes afro. Destacou-se pela militância na liberdade religiosa e foi porta-voz das religiões de matriz africana, dos direitos das mulheres e das populações negras. Makota é um título religioso que a reconhece como auxiliar direta da Mãe de Santo do Terreiro de candomblé Tanuri Junçara.
Fonte: Wikipedia (Spanish)
Escravizados
Em primeiro lugar, a questão inicial da frase de Makota diz respeito a como muitos nos referimos a nós mesmos. Particularmente, demorei muito tempo a parar e pensar porque muitos descendentes de africanos não se enxergam como tal.
Descendentes de Escravos?
Devemos nos referir a nós mesmos como descendentes de escravos ou descendentes de seres humanos escravizados?
O tema é relevante, pois tem compreensão profunda em nossa percepção do passado, do presente e do futuro. A resposta curta e evasiva é que ambas as opções estão corretas, mas revela um grande equívoco presente no Brasil.
A expressão “descendentes de escravos” destaca a condição de escravização como a característica mais importante de nossos ancestrais. Isso pode significar que a nossa percepção cognitiva define a subordinação a outros seres humanos que tratavam os escravizados como propriedade.
Por outro lado, não devemos confundir com a posição de descendentes de escravizados que são negacionistas quanto ao racismo e escravidão. Mesmo que alguns descendentes de africanos tentam menosprezar movimentos de raízes africanas, não devemos deixar o debate.
Portanto, debater é uma forma de afirmar que nossas raízes estão em um passado de opressão e desumanização comprováveis. E se seres humanos ainda escravizam outros seres humanos diretamente ou indiretamente, esta é a pauta do debate.
Descendentes de seres humanos?
Quando Makota atribui para si a condição de “descendente de seres humanos” sob uma escravidão, ela me representa. E a questão de fundo não deve cair no esquecimento jamais.
Por outro lado, a frase destaca nossa humanidade, acima de tudo e acima de opiniões que prevalecem pela força ou poder da mídia. Isso reconhece que nossos ancestrais eram seres humanos sob o controle de outros seres humanos. Embora essa condição não os definia completamente, em hipótese nenhuma e o subjugo existia, como ainda é, pela opressão.
Desta forma, podemos afirmar que nossas raízes estão na humanidade compartilhada com todas as pessoas, independentemente de sua história.
Abolição da Escravatura
A data de 13 de maio tem uma significação bastante questionável. Desde os abolicionistas e monarquistas, a questão teve grandes polêmicas, que culminaram na atual cultura social brasileira. Chegamos ao fundo do poço quando negros, descendentes de escravos, são negacionistas em relação à escravidão no Brasil.
Como se não bastasse, submetem-se a regimes opressões, análogos à escravidão. É provável que a escravidão mental(1) seja uma doença incurável.
Lei Áurea
A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, é uma celebração questionável como marco da abolição da escravatura no Brasil.
Assim sendo, uma análise mais profunda revela que essa narrativa está longe de ser a realidade, além dos livros. A Lei Áurea não foi o resultado de um movimento progressista pela emancipação e igualdade. Pelo contrário, foi uma medida política que originou nas elites dominantes para preservar seu poder e status. E, desse modo, perpetuou disfarces para continuidade da opressão sobre negros e indígenas.
Em primeiro lugar, a abolição da escravidão através da Lei Áurea não foi uma concessão voluntária das elites. Em outras palavras, foi uma resposta às pressões internas e externas das oligarquias políticas e econômicas. A crescente resistência dos escravos, aliada à pressão internacional contra a escravidão, colocou as elites dominantes em uma posição insustentável. Confrontadas com a possibilidade de tumultos sociais generalizados e sanções comerciais internacionais, elas optaram por abolir a escravidão como uma medida de autopreservação.
No entanto, a abolição não proporcionou políticas significativas de inclusão social ou econômica para os que se “libertaram”. A falta de terras, educação e oportunidades econômicas deixou muitos negros em uma situação de vulnerabilidade extrema. Em outras palavras, a maioria dos que conseguiram a liberdade sofriam com formas sutis de exploração e discriminação. Outrossim, a abolição não abordou as estruturas sociais e econômicas como a desigualdade racial, o latifúndio e o trabalho assalariado precário. Surpreendentemente, ainda hoje, são as mesmas questões que exigem políticas públicas que nunca atendem a quem precisa.
Abolição Fake
Em vez de promover a igualdade, a Lei Áurea serviu para consolidar o poder das oligarquias agrárias. As diferentes oligarquias controlam vastas extensões de terra, meios de comunicação, transportes, agronegócio. Desta forma, subjugam a mão de obra através de formas alternativas de exploração, como o terceirização, parcerias e pejotização. Essas formas de opressão, embora menos visíveis do que a escravidão formal, mantiveram os negros e outras minorias no submundo.
Além disso, a abolição fake não abordou a questão da reparação histórica para os descendentes de escravos. A limitação de seus direitos humanos básicos durante décadas de exploração e violência ainda persiste. A ausência de um programa abrangente de justiça social e reparação perpetua as desigualdades estruturais na sociedade brasileira contemporânea.
Por isso, a Lei Áurea marcou o fim formal da escravidão no Brasil, mas não representou a realização dos ideais de igualdade e justiça. Pelo contrário, foi uma medida política destinada a preservar o poder das elites dominantes. Adicionalmente, deixou intactas as estruturas de opressão que continuaram a marginalizar negros, indígenas e pobres no Brasil.
A segregação é tamanha que até entre povos de origem diferente, como sulistas e nordestinos existe o preconceito e a ideia de submissão.
Escravidão e Humanidade
Uma vez que a dúvida e o antagonismo é presente inclusive dentre escravizados, escolher uma opção pode não ser simples.
Então, qual é a opção e forma de sermos mais precisos na identificação e autodenominação?
Será possível ambas serem verdadeiras e precisas, mas em contextos diferentes?
Com toda a certeza, a resposta é um sonoro NÃO !
Os áulicos, quando querem enfatizar a opressão, sempre utilizaram a expressão “descendentes de escravos“. Isso ajuda com que eles escondam a desumanidade, como nos delitos criminosos de trabalho análogo à escravidão. Desse modo, encobrem que a escravidão é uma instituição profundamente desumana e degradante.
Por outro lado, ao enfatizar a humanidade e a resiliência de nossos antepassados, “descendentes de seres humanos escravizados” é o correto. Mesmo que isso nos faça lembrar da opressão, nos lembra que seres humanos têm direitos naturais.
Nossos antepassados resistiram e lutaram por sua liberdade e justiça, e essa luta continua até hoje, contra o trabalho escravo
Os escravizados, quando conseguem, devem reafirmar que temos a capacidade de resistir e lutar por um futuro melhor e mais humano.
Portanto, somos seres humanos com todas as complexidades e nuances que isso implica seja em relação à raça, religião e outras escolhas.
Devemos sempre honrar a memória de nossos antepassados e continuar lutando pela consciência negra(2), liberdade de opinião, expressão e ação.
Em suma, seja no caso do passado, ou no presente com casos de trabalhadores presos e escravizados, devemos nos opor e reagir. Os déspotas e seus capatazes devem ser alvo de denúncia e condenação, e que paguem pelos crimes que cometem.
“Amanhã tem mais …”
P. S.
(*) Este texto é uma homenagem a Makota Valdina que exerceu o pleno ativismo político e a defesa de seus ideais. Muito recentemente, o governo de Portugal admitiu a exploração dos brasileiros e cogita alguma forma de reparação pelos abusos seculares.
(1) “Entre Sem Bater – Bob Marley – Escravidão Mental”
(2) “Escravidão Eterna x Consciência Negra”
Imagem: Entre sem Bater – Makota Valdina – Escravizados
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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