Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” (← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória”). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. O pensamento de Ogden Nash sobre o “Progresso” está perigosamente mais atual e ameaçador.
Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.
As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Ogden Nash
Em alguns períodos da história é difícil termos humoristas. Aliás, o que antigamente tinha a definição de comédia tem pouca relação com o que entendemos atualmente. Ogden Nash viveu num período turbulento, passou por duas guerras mundiais, e foi um grande produtor de poesia humorística. Decerto, muito do seu humor era ácido, por isso Ruy Castro incluiu sua frase no “O Melhor do Mau Humor“.
Frederic Ogden Nash (19 de agosto de 1902 – 19 de maio de 1971) foi um poeta americano conhecido por seus versos leves, dos quais escreveu mais de 500 peças. Com seus esquemas de rimas não convencionais, ele foi declarado pelo The New York Times o mais conhecido produtor de poesia humorística do país. Quando Nash não estava escrevendo poemas, participava em comédias e programas de rádio. Nash era considerado com respeito pelo establishment literário, e seus poemas transformavam-se em antologias, até mesmo em coleções sérias como A New Anthology of Modern Poetry, de Selden Rodman, de 1946.
Fonte: Wikipedia (inglês)
O Progresso
Em primeiro lugar, devemos destacar que algumas frases não são exatamente como nas obras originais. Desse modo, uma tradução atual ou pequena adaptação encaixa-se como uma luva nestes tempos modernos. Os trechos originais de Nash surgiram no auge da Guerra Fria, onde EUA e URSS lutavam pelo progresso maior que o inimigo.
Em “Come, Come, Kerouac! Minha geração é melhor que a sua”(*) o poeta escreve:
… Meu dicionário define progresso como um avanço em direção à perfeição.
Houve muito progresso durante a minha vida, mas temo que esteja indo na direção errada…
Mais adiante, termina com:
O progresso pode ter dado certo uma vez, mas durou muito tempo;
Acho que o progresso começou a retroceder quando Wilbur e Orville começaram a mexer em Dayton e em Kitty Hawk, porque acredito que dois Wright´s(1) cometeram um erro.
Em suma, podemos depreender que o em termos de ideia, a frase-chave se alinha com o que escreveu Nash.
Tempos Modernos
A princípio, se considerarmos o momento que Nash escreveu sobre o progresso ter estar indo longe demais, é compreensível. Entretanto, depois da descoberta de penicilina, Raio-X, luz elétrica e outras traquitanas, tudo acelerou que saiu do controle. É provável que a bomba atômica motivou este pensamento e o “longe demais”. Por outro lado, os benefícios das descobertas deram um salto na qualidade de vida da humanidade.
A pergunta que fica é: Será que podemos repetir a frase de Nash considerando a Inteligência Artificial (IA)?
Com toda a certeza, muitos vão aderir ao mau humor de Nash e repetir a frase. Contudo, algum tempo atrás, escrevi sobre singularidade tecnológica, e quase sofri um linchamento virtual. Será que temos ao menos uma preparação mínima para o debate sobre progresso tecnológico e o futuro?
Singularidade e Progresso
É provável que a velocidade estonteante das inovações tecnológicas ainda não fez cair a ficha dos cidadãos do planeta. Certamente, deveríamos questionar se estamos caminhando para um futuro utópico ou para um precipício distópico.
Analogamente à fábula da lebre e da tartaruga, a IA avança a passos largos, e a sociedade se arrasta tentando parecer entender tudo. Surpreendentemente, nunca se viu aparecerem tantos especialistas como em IA, nos últimos meses. Contudo, vemos poucas pessoas debatendo sobre as implicações éticas, sociais e existenciais da IA.
A promessa de um futuro com automação e eficiência se choca com a realidade de um mercado de trabalho em mutação. As crescentes desigualdades de todas as espécies e o risco de desemprego em massa são reais.
Algoritmos no Controle
A IA, com seus algoritmos cada vez mais sofisticados, assume funções antes impensáveis. Carros autônomos, diagnósticos médicos precisos, conversas com chatbots são comuns. A criação, por exemplo, de obras de arte originais demonstram a capacidade destas ferramentas. No entanto, essa mesma inteligência levanta preocupações sobre o controle e a responsabilidade por suas decisões.
Como se não bastasse, a perspectiva da singularidade tecnológica(2) torna tudo mais assustador. Desta forma, quando, hipoteticamente, a IA supera a inteligência humana, o debate, e não o uso, deveria aumentar. Por um lado, a singularidade pode trazer o fim de doenças, pobreza e sofrimento, o que é bom. Por outro lado, dá sinais de que a humanidade está perdendo o controle sobre seu próprio destino.
Os algoritmos estão tomando o controle de muitos comportamentos e influenciando as pessoas no consumismo e hábitos diários.
Criatura monstruosa
Nesse contexto, surge a necessidade de uma reflexão profunda sobre o progresso, as tecnologias e seus impactos. É preciso ponderar se estamos realmente progredindo na direção de um futuro melhor para todos. Ou estamos, de fato, apenas criando novas formas de sofrimento e desigualdade com benefícios para poucos?
Analogamente à lenda de Frankenstein, a IA pode se tornar uma criatura poderosa que se volta contra seus criadores. Ao invés de nos deslumbrarmos com as possibilidades tecnológicas, devemos discutir os riscos e as implicações éticas deste progresso.
Enfim, limites e mecanismos de controle para usos de forma responsável e ética devem partir da sociedade civil. A educação e a conscientização da população sobre as potencialidades e os perigos da IA são essenciais nesse processo.
O Futuro não nos Pertence
Deveríamos estar em diálogos abertos e inclusivos, com envolvimento de especialistas em tecnologia, filósofos, sociólogos e a sociedade. É necessário, por isso, encontrar um equilíbrio entre o progresso tecnológico e a preservação dos valores humanos.
Ao refletirmos sobre a frase de Nash, concluímos que o progresso, embora benéfico em muitos aspectos, pode ser perigoso. A IA, com seu potencial transformador, nos coloca diante de grandes dilemas. Usaremos essa tecnologia para construir um futuro melhor ou se seremos vítimas de seu poder sem controle?.
Em suma, é preciso estabelecer limites e mecanismos de controle para tudo que signifique progresso. A minha geração, sem dúvida, não é melhor do que qualquer outra. Entretanto, o que cada geração faz com o progresso que a geração anterior conseguiu define o futuro. Cabe ressaltar que o mau humor da frase é crescente e serve para falar seriamente sobre o progresso tecnológico e muito mais.
A evolução humana(3) prescinde do progresso, já fomos longe demais, é apenas o começo, optaremos pela ignorância(4)?
“Amanhã tem mais …”
P. S.
(*) Verificação do site “Quote Investigator“.
(1) “Wright Brothers – Wikipedia“
(2) “Singularidade, Alienígenas e Minhocas“
(3) “Entre Sem Bater – Donald Johanson – Evolução Humana“
(4) “Ignorância e Progresso“
Imagem: Entre sem Bater – Ogden Nash – O Progresso
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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