Economia Solidária
O termo economia solidária tem avançado em todo o mundo, mesmo que as traduções não sejam literais. Como se não bastasse, aliado a esta ideia-conceito, outros termos “inovadores” ganham espaço. Cooperativismo de Plataforma, Economia Local, Nanoeconomia(1) e Economia Social são apenas uma pequena amostra. Entretanto, os desvios e a pouca convergência entre conceitos e práxis tem provocado muita confusão, mesmo entre os especialistas.
Escrevi, anteriormente, um texto que aborda algumas questões sobre a exploração dos trabalhadores que utilizam aplicativos (apps). Por exemplo, a Glovo entrou no Brasil com altos investimentos(2), por volta de 2015, antes de 2020, cuidou de se retirar(3). O assunto ficou adormecido até que a Uber Eats, com o prefixo poderoso Uber, deixou o mercado de entregas por aplicativo. Com o propósito de uma atualização, este texto teve uma revisão na cronologia e linha raciocínio.
Desse modo, a saída (falsa) da marca Uber Eats, acendeu uma luz na cabeça de muitos brasileiros, tardiamente. Na realidade, a marca Uber Eats era um “derivativo” que entrou num ramo oligopolizado e resolveu mudar o foco. O app agora vai se dedicar a entregas mais “rentáveis” e noutro nicho. Em outras palavras, o cidadão que consome estes serviços não têm a mínima ideia de como é a “fábrica de salsichas” das plataformas ditas “uberizadas“.
E é agora que se faz necessário desmistificar algumas coisas pois a uberização tem, na maioria dos conceitos e práticas, grandes diferenças para o Cooperativismo de Plataforma. É provável que, a única coisa que seja convergente é a utilização de tecnologias que adotam o mesmo “segredo de negócio”.
Cooperativismo de Plataforma
A ideia do cooperativismo apareceu muito antes de qualquer tecnologia ou modelo de gestão atual ter seus protótipos testados. O cooperativismo surgiu no Século XVIII e foi a alternativa política e econômica ao capitalismo. Só de ver a palavra alternativa, os capitalistas e o liberalismo econômico tremem. Assim sendo, com tantos opositores, somente ao final do Século XIX surgiu uma associação internacional de cooperativismo(4).
Cooperativismo
A ideia é simples, e visava enfrentar a ganância dos capitalistas, que desde a Revolução Industrial adotaram a mais-valia. A partir de Adam Smith, Marx dissecou o termo de maneira que provoca arrepios em qualquer dono de botequim que se acha empresário. Surpreendentemente, até autônomos que se autodenominam empreendedores, abominam ideias marxistas, a cooperação e o cooperativismo. É provável que este tipo de comportamento esteja radicalizado no Brasil. São muitos os profissionais que aceitam participar de cooperativas que têm um dono.
No Brasil, a primeira experiência de cooperativa se deu logo após a Proclamação da República, na cidade de Ouro Preto. Uma cooperativa de consumo, criada para comprar produtos agrícolas para os cooperados. O cooperativismo brasileiro avançou, primordialmente, a partir da criação da OCB, em 1969. Por outro lado, tem sofrido enormes retrocessos e até extinção em algumas áreas e atividades econômicas.
Apps de transporte
A criação, por exemplo, de falsas cooperativas de taxistas (usando rádios-táxi) ganhou o país e não tinha nenhum aplicativo em dispositivos móveis. Os aplicativos dos usuários ligavam para uma central telefônica e as operadoras (humanas) faziam a conexão via rádio com os táxis. Este mercado enriqueceu alguns poucos ex-taxistas, donos de “cooperativas” que foram felizes até o surgimento dos apps. Por outro lado, as plataformas de transporte não tinham, e ainda não tem, quase nenhum atributo ou requisito de um cooperativismo de plataforma. Certamente, estes aplicativos utilizam muita tecnologia e algoritmos, mas nada de cooperação e bem estar dos prestadores de serviços.
Nesse ínterim, a briga dos taxistas contra os aplicativos de transporte acirrou-se no mundo inteiro, e não podia ser diferente no Brasil. Os taxistas, à margem do embate, sofriam com os donos de cooperativas e com os motoristas de aplicativos. Dessa forma, até os aplicativos como o 99, que se dizia “nacional”, ganhou uma versão “99 Táxi“, o que atrapalhou muitas “cooperativas”.
Enfim, o exemplo dos aplicativos de transporte, a evolução dos serviços de táxi (concessão) é somente um, dentre muitos. Com toda a certeza, em todos os exemplos, está exposta a desenfreada ditadura dos algoritmos. Uma grande variedade de atividades econômicas está utilizando de plataformas para falsear a questão do cooperativismo e colaboração.
A retomada e a aplicação de conceitos firmes na vida real e a economia solidária são essenciais nestes novos tempos.
Cooperativismo de Plataforma ideal
O Cooperativismo de Plataforma tem sido objeto de estudo em muitos países. Pessoas qualificadas, que entendem de economia, finanças, tecnologia e sociedade afirmam que, do jeito que está, não é cooperativismo. É simplesmente uma ou mais formas de explorar as pessoas com o trabalho, remunerando um aplicativo. O discurso é falacioso e os liberais que incentivam o empreendedorismo não conseguem manter aquilo que prometeram.
É extensa a lista de serviços sob efeito da uberização desenfreada:
- Aplicativos de entrega
- Aplicativos de hospedagem
- Marketplace de vendedores de varejo
- Serviços profissionais residenciais
- Recrutamento e seleção
Aos exemplos acima indicados, outros tantos surgem com nomes e roupagens diferentes mas, com toda a certeza, causando precarização nas condições de trabalho. Estes serviços citados podem adquirir diversas roupagens, nomes e nuances. Entretanto, estarão diminuindo postos de trabalho e aplicando a mais-valia, sem que os maiores prejudicados consigam entender o mecanismo.
Em alguns casos, como aplicativos de transporte e de entrega, a situação atingiu limites e precariedade inimagináveis. A rigor, não existe cooperativismo ideal com gestão autocrática e com donos ou sócios franqueadores.
Aplicativos de transporte e de entrega
Antes da eclosão do vírus SARS-CoV-2, a utilização dos aplicativos de transporte e entrega cresciam sem nenhum questionamento. A partir do primeiro semestre de 2020 as reclamações e condições dos operadores destes aplicativos ganharam manchetes. A exploração dos trabalhadores ficou mais clara. Ao mesmo tempo que o preço dos combustíveis aumentaram e as condições de trabalho se deterioraram.
Sem dúvida, aplicativos de transporte e aplicativos de entrega sobressaíram aos olhos do cidadão comum em função da pandemia. As pessoas, dos 8 aos 80 anos de idade, estão deixando tudo nas mãos dos aplicativos. A lenda urbana de que todo engenheiro que se forma, certamente, será um motorista de aplicativo em pouco tempo, tem se confirmado. Este exemplo mostra a perversidade de um país que tinha engenheiros altamente qualificados e agora recebe profissionais e empreiteiras estrangeiras.
O valor da informação
Dentre os profissionais de TI é comum algumas definições serem confusas. Por exemplo: as palavras dado, informação e conhecimento são completamente diferentes e tem muito valor cada uma. Assim sendo, se tomarmos um dado qualquer, vale menos do que uma informação que gera conhecimento. Desse modo, sistemas de informação são uma mina de dinheiro para estes aplicativos.
A entrada da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) era para dar sentido à privacidade da informação das pessoas. Um aplicativo de transporte armazena em seus bancos de dados tudo sobre cada usuário. Um serviço que cobra uma taxa menor, que remunera os motoristas com menos margem, pode usar seus dados para ganhar algum dinheiro “por fora”.
A mesma lógica vale para os aplicativos de entrega de comida, de remédios etc. Enganam-se aqueles que dizem “não tenho nada que interessa a eles“.
Nem mesmo nas falsas cooperativas ou aplicativos que dão mais descontos significativos são “bonzinhos”. E pensar que até no sistema financeiro algumas organizações se nomeiam como “cooperativas”.
Nossa sociedade está tomando perigosos rumos de plataformas que guiam comportamentos. Desse modo, esta forma de expansão do neoliberalismo é muito mais cruel e segregacionista do que o capitalismo selvagem nacional. O distanciamento entre países que “pensam” e países que fazem as coisas é abissal.
Em suma, estamos perdendo a guerra da solidariedade, sustentabilidade pela ditadura da economia e falso cooperativismo. Não estou vendo nada de cooperativismo, solidariedade, sustentabilidade ou racionalidade.
(1) “Nanoeconomia Feudal no século XXI“
(2) “Glovo expands South American operations to Brazil”
(3) “Glovo decide deixar o Brasil”
(4) “International Co-operative Alliance”
Charge: Toni D´Agostinho
Nota do Autor
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