Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. O “Livro I” dos Discursos de Epicteto tinha muito mais do que pensamentos sobre “As Aparências“, poderia ser um manual, atualmente.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Epicteto
É provável que os ensinamentos de Epicteto sobre a filosofia estavam muito adiante do tempo em que ele viveu. Atualmente, os estoicos ou simulacros de filósofos se esforçam até para entender o que os filósofos clássicos tentavam transmitir. As aparências, hoje em dia, com as redes sociais, transcendem o que devem representar para a mente do ser humano.
Epicteto ( Epíktētos; 50 d.C. – 135 d.C.) foi um filósofo estoico grego. Ele nasceu como escravo em Hierápolis, Frígia ( atual Pamukkale, no oeste da Turquia ) e viveu em Roma até seu banimento. Foi para Nicópolis, no noroeste da Grécia, onde ficou pelo resto de sua vida. Seus ensinamentos foram escritos e publicados por seu aluno Lucius Flavius Arrianos em seus Discourses and Enchiridion.
Fonte: Wikipedia (Inglês)
As Aparências
Considerando o pensamento de Epicteto de forma completa, a frase-chave ganha muito mais sentido.
“As aparências para a mente são de quatro tipos. As coisas ou são o que parecem ser; ou não são nem parecem ser; ou são e não parecem ser; ou não são, mas parecem ser. Mirar corretamente em todos esses casos é a tarefa do homem sábio.”
Livro I, cap. 27, § 1.
Desse modo, é possível entender como nos metemos numa cilada com o tsunami de tecnologia que assola a todos. Atualmente, qualquer um que parar e pedir que as pessoas reflitam sobre o que disse Epicteto sofrerá execração ( bullying, na real ! ). Sinal dos tempos em que até as expressões mudam, certamente para perder o sentido original.
Enchiridion
A palavra Enchiridion é, certamente, como os ideogramas orientais que permitem interpretações em função de seu uso. A origem da palavra, no latim e no grego, assemelham-se, sobretudo, pela significação mais próxima. È uma palavra que representa uma ideia complexa, mas que ajuda na simplificação de muitas coisas.
Certamente, a ideia dos manuais dos equipamentos que temos de forma abundante, e que a maioria das pessoas nunca lê, serve como modelo. Por exemplo, quando temos um equipamento, e junto a ele vem um manual, impresso ou digital, significa que devemos ler para entender. Desse modo, um manual serve como orientação para dúvidas, estipular condições técnicas e de uso favoráveis e por aí vai.
Enchiridion, assim como tantos outros manuais, foi para Epicteto como um manual de conselhos éticos e estoicos, nos seus ensinamentos. Desse modo, é provável que Epicteto tratava as aparências como possíveis e que deviam ter regras de transposição para a vida real (manual).
Do mesmo modo como no mundo real, totalmente digital em que vivemos, temos que ter à mão, um manual de regras éticas e morais. Por outro lado, se desprezamos estas regras e agimos de acordo com nossas concepções, com pouca fundamentação, somos os únicos responsáveis.
Sem controle
Enchiridion, como de fato já descrevemos, é algo além de um simples manual ou roteiro. É, com efeito, uma concepção do ponto de vista estoico, que indica que nem tudo está ao nosso alcance. Nosso “manual” tem muitas aparências que dependem do uso que fazemos das palavras e das coisas.
A filosofia é, inquestionavelmente, um modo de se viver, com teoria e prática, sem aquela ideia limítrofe de que filosofia “… não serve pra nada…”. Portanto, vivemos num mundo totalmente sem controle onde as pessoas desrespeitam princípios filosóficos simples, sem responsabilidade.
Entretanto, a ideia de Enchiridion de Epicteto é de que “… algumas coisas estão no nosso poder (pelo manual) e outras não estão…”. Definitivamente, o comportamento das pessoas, mesmo as que não sofreram contaminação das redes sociais, é errático neste sentido. Nesse ínterim, a maioria das pessoas, tanto pessoalmente como profissionalmente, querem que o mundo “funcione” de acordo com “seu manual“.
Este comportamento é, sem dúvida, uma versão do hedonismo(1) manual com aplicação na vida real. Como se não bastasse, as pessoas não perceberem o Enchiridion das suas vidas, e querem impor aos outros a ditadura das opiniões falsas(2). Escolhem, de maneira até pueril, o que parece ser, de forma para ser aos olhos de todos.
As redes sociais tornaram o mundo totalmente sem controle. Adicionalmente, os embates de politicamente correto e incorreto não fazem parte do manual de boa convivência de nenhuma sociedade sadia.
As coisas são, ou não…
De forma ampla, as pessoas não se importam quando alguém manifesta uma opinião e apresenta a condicionante “ou não…“. Desse modo, esquecemos de avaliar alternativas a esta ou aquela opinião. Tomemos, por exemplo, o dogma dos que defendem a Terra Plana. Ao não admitirem o “ou não” ou em abrir espaço para avaliar se as coisas são ou não desta ou daquela maneira, destroem o diálogo.
O planeta, especialmente depois da pandemia, perdeu, em muitas nações, a referência do debate e da troca de ideias. A busca pelo sucesso pessoal e o envolvimento de política com religião tornou tudo mais complexo. A disputa de nações pelo poderio econômico misturou-se com questões de fé e culturais.
As pessoas estão com pressa, e se antes “a pressa é inimiga da perfeição“, neste momento a pressa destrói qualquer reflexão. As pessoas estão preocupadas em compartilhar até opiniões de segunda mão(3), sem ao menos saberem se é verdade. Basta um influenciador, com milhões de seguidores, postar uma mentira ou insanidade, que milhões, em segundos, estão repetindo.
Nosso Poder
O nosso poder é, stricto sensu, tudo aquilo que está no “manual” e sob nosso controle, que tem relação com nossos atos e omissões. Por outro lado, tudo que não depende de nossas ações não está sob nosso controle e muito menos temos poder sobre estas coisas.
Assim sendo, é maléfico quando exigimos que as pessoas façam o que não está sob nosso controle. E, fica pior quando alguns influenciadores, agindo como capatazes digitais, levam as pessoas a fazerem o que eles determinam.
Este comportamento está proporcionando doenças reais e, como se não bastasse, deteriorando o relacionamento até mesmo entre familiares. Ambientes profissionais estão adquirindo uma toxicidade inimaginável com o tratamento do tipo “… os justos pagam pelos pecadores“.
Ser alguém com muitos seguidores, numa tábula rasa, tornou-se símbolo de poder, e não importa se as aparências não representam a realidade.
Dois trechos de Enchiridion merecem destaque e reflexão:
Algumas coisas estão sob nosso controle e outras não. As coisas sob nosso controle são opinião, busca, desejo, aversão e, em uma palavra, quaisquer que sejam nossas próprias ações. As coisas que não estão sob nosso controle são o nosso corpo, bens e propriedade, a nossa reputação, o comando das pessoas e, em uma palavra, tudo o que não são nossas próprias ações.
…
Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pelos princípios e noções que formam a respeito das coisas.
Fonte: Wikiquote (Inglês)
Em suma, as aparências que vivemos num mundo digital, não podem se sobrepor àquilo que não são ou à nossa capacidade de ação. Cada indivíduo é responsável pelo que faz e não pode determinar o que os outros devem fazer para agradá-lo.
(1) “A geração do hedonismo oco”
(2) “Entre sem bater – Joseph Maistre – Opiniões Falsas”
(3) “Entre sem bater – Mark Twain – Segunda Mão”
Imagem: Entre sem bater – Epicteto – As Aparências
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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