Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Certamente, o conceito de Luís Gama, sobre um “Magistrado“, está na mente e no coração de muitos brasileiros. .
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Luís Gama
Luís Gama, o soteropolitano, foi, inquestionavelmente um negro que orgulharia toda uma raça. É importante fazer a desambiguação de um tal de Luís da Gama, que também atuou como jurista e professor de Direito.
Luís Gonzaga Pinto da Gama (21 de junho de 1830 – 24 de agosto de 1882) foi um rábula brasileiro, abolicionista, orador, jornalista e escritor. Patrono da abolição da escravatura no Brasil era filho de mãe negra livre e pai branco. Foi escravizado aos 10 anos e permaneceu analfabeto até os 17. Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a trabalhar como advogado em favor dos cativos. Aos 29 anos já era um escritor consagrado e considerado “o maior abolicionista do Brasil“. Embora fosse um dos expoentes do em “Apresentação da Poesia Brasileira” de Manuel Bandeira, nem sequer mencionam o seu nome. Teve uma vida tão singular que é difícil encontrar, entre seus biógrafos, alguém que não se apaixone ao retratá-lo – sendo ele próprio também carregado de paixão, emotivo e ainda assim cativante. Certamente, um intelectual negro no Brasil escravista do século XIX. O único autodidata e o único a ter passado pela experiência do cativeiro na escravidão. Passou a vida lutando pela abolição da escravatura e pelo fim da monarquia no Brasil, mas morreu seis anos antes de essas causas serem concretizadas. Em 2018 seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves.
Fonte: Wikipedia (Português)
Um Magistrado
O Brasil passou por uma série de transformações significativas após o período de ditadura militar que durou de 1964 a 1985.
Uma dessas mudanças ocorreu no sistema judiciário do país, numa tentativa de refletir a busca por uma justiça mais igualitária e eficiente.
No entanto, as palavras de Luís Gama, um afrodescendente e abolicionista, após 140 anos de sua morte, continuam presentes. São muitos os negros que entendem o que disse Luís Gama, que criticou o comportamento dos magistrados da sua época.
Atualmente, o trecho do poema de Luís Gama tem aplicação direta ao Poder Judiciário do Brasil após a ditadura militar. Desse modo, podemos entender que as intervenções na política e em questões sociais deixaram os tribunais de forma inconstitucional.
Os exemplos recentes, com farta disseminação na mídia, com um magistrado no papel de protagonista, envergonharia qualquer Ruy Barbosa. De tanto vermos as nulidades(1) triunfarem e a desonra se tornar coisa “normal”, baixamos a guarda, o que Luís Gama não faria.
Contexto Histórico
Um dos propósitos deste Blog é, de fato, fazer uma transposição de frases de qualquer época, para o cotidiano, especialmente no Brasil.
Desse modo, entendemos que após o fim da ditadura militar, o Brasil iniciou um período de redemocratização e reformas institucionais.
O sistema judiciário, de história com privilégios, prerrogativas e desigualdades, deveria passar por mudanças significativas, #SQN.
A Constituição de 1988, muitas vezes chamada de “Constituição Cidadã“, foi um marco nesse processo. A princípio, deveria representar uma restauração(2) da democracia, princípios de igualdade perante a lei, direitos fundamentais e garantias individuais.
No entanto, apesar dessas transformações, as palavras de Luís Gama sobre os magistrados que “vendem a lei, traem a justiça” são atuais. Como se não bastasse, ressoam em todos os aspectos e instâncias do sistema judicial brasileiro contemporâneo.
Poder Judiciário e Política
Eventualmente, abordo questões inerentes ao Poder Judiciário e recebo críticas, algumas ácidas, pelo fato de que não sou da “congregação”. Até nisso a categoria entende que as prerrogativas estão acima da lei e da Constituição Cidadã. Desse modo, escrevi sobre o rábula teratológico(2) e o envolvimento tóxico e escroto de um magistrado, em questões políticas.
Certamente, uma das questões mais controversas relacionadas ao Poder Judiciário no Brasil pós-ditadura é a sua relação com a política.
Anteriormente, Luís Gama criticou magistrados que prestavam abrigo ao rico e ao nobre. Decerto, essa crítica fazia uma referência ao nepotismo e à politização do sistema judiciário desde o Império. Atualmente, casos em que membros do Poder Judiciário influenciam ou até mesmo controlam o cenário político são “normais”.
A Operação Lava Jato, por exemplo, expõe a complexa interação entre o sistema judiciário e a política. Alguns alegam que essa operação foi fundamental para combater a corrupção, outros criticam o mecanismo(4) que predominou no processo. A instrumentalização da justiça, certamente para fins políticos, foi um desvio de finalidade do sistema judicial.
Enfim, essas controvérsias geraram debates sobre a independência do Judiciário e a necessidade de uma supervisão rigorosa, o que inexiste.
Desigualdades
As palavras de Luís Gama também fazem referência à injustiça que se perpetua quando um magistrado é parcial e tendencioso.
Quando ele escreve “só acham crime horrendo no mendigo que deprimem” podemos associar, atualmente, a sentenças contra negros e pobres. Como se não bastasse, o comportamento de autoridade do Judiciário chega a raias do absurdo. Por exemplo, num tribunal no interior do país, um magistrado cita a vestimenta de uma advogada e a pune por isso. É provável que exista uma relação com as desigualdades sociais e econômicas que persistem no Brasil.
Embora as reformas após a ditadura tentem promover a igualdade perante a lei, os brasileiros “comuns” ainda não têm acesso à verdadeira justiça. A falta de recursos para contratar advogados, a morosidade do sistema judicial e a discriminação racial e social são a nossa realidade.
O Judiciário deveria garantir que a justiça seja acessível, igualitariamente, a todos os cidadãos, independentemente de sua origem social ou étnica.
Mundo Paralelo
Vivemos, após a revolução que as novas tecnologias e redes sociais provocaram, em mundos paralelos e numa distopia tupiniquim(5).
As palavras de Luís Gama sobre o papel dos magistrados e a busca pela justiça ainda são necessárias no Brasil contemporâneo.
Embora existam avanços significativos no sistema judicial, desde a abolição da escravatura e da ditadura militar, estamos engatinhando. A relação entre o Judiciário e a política, as desigualdades sociais e a necessidade de garantir o acesso à justiça são questões urgentes.
É importante que a sociedade civil, os legisladores e os próprios operadores do Direito mudem de comportamento. Contudo, dependemos dos legisladores que elegemos a cada pleito e o cidadão brasileiro não aprendeu a votar.
Os desafios para garantir que o sistema judiciário brasileiro cumpra seu papel fundamental não refletem a disposição de mudar do Legislativo. Por exemplo, está em trâmite no Congresso Nacional legislação que anistia partidos e maus políticos. Como se não bastasse, querem reduzir a possibilidade de cotas e recursos para mulheres e negros.
Certamente, para promover a verdadeira justiça e a defesa dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, estes comportamentos são nocivos.
Em suma, a visão poética de Luís Gama de uma justiça que não tolera a injustiça continua a nos inspirar, desde sempre. Aqueles que buscam um sistema judiciário mais justo e igualitário no Brasil ainda não conseguem perceber como isso deverá se concretizar.
Brasileiros, surpreendentemente, passaram a adotar magistrados de estimação(*), é o fim !
Um bom começo seria a compreensão de que “… um magistrado deveria manifestar-se somente nos autos“, deveria …
P. S.
(*) Luís Antônio da Gama e Silva (aka Luís da Gama) foi um jurista brasileiro. Ministro da Justiça em duas ocasiões após o Golpe de 1964. Teve atribuições relevantes, durante o governo Costa e Silva, na redação do Ato Institucional n.º 5 (AI-5).
(*) Alguns anos atrás, alçaram um ministro do STF (Joaquim Barbosa) à condição de herói. Atualmente, o eleito a herói nacional é outro ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. Coincidentemente, nasceu no dia do AI-5 que o Luís da Gama construiu. O Brasil não é para amadores.
(1) “Entre sem bater – Ruy Barbosa – As Nulidades”
(2) “Entre sem bater – Ulysses Guimarães – Uma Restauração”
(3) “O rábula teratológico”
(4) “O mecanismo dominante tupiniquim”
(5) “Distopia tupiniquim e o admirável mundo novo”
Imagem: Entre sem bater – Luís Gama – Um Magistrado
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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