Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Milton Santos, com extrema propriedade, se inclui numa classe média que defende ‘Privilégios” que deveria ser direito de todos.
Cada publicação terá reprodução, resumidamente, nas redes sociais Pinterest, Facebook, Twitter, Tumblr e, eventualmente, em outras isoladamente. Uma adaptação textual, com redução, pode ter publicação em sites e outros blogs, como o “Recanto das Letras“.
As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Milton Santos
É provável que o baiano Milton Santos tenha sido um privilegiado. Ter os pais professores, ainda hoje em dia, é uma condição superior à maioria dos brasileiros. Assim sendo, é natural que Milton Santos se encaixe dentre os autores que devemos ler e refletir. Sua formação de geógrafo e Direito deu-lhe todas as condições para falar sobre privilégios e muito mais.
Milton Almeida dos Santos (3 de maio de 1926 – 24 de junho de 2001) foi um geógrafo e estudioso da geografia brasileiro formado em Direito. Tornou-se conhecido por seus trabalhos pioneiros em diversos ramos da geografia , notadamente o desenvolvimento urbano em países em desenvolvimento . É considerado o pai da geografia crítica no Brasil. Santos recebeu o Prêmio Vautrin Lud, muitas vezes visto como o equivalente geográfico do Prêmio Nobel, e recebeu postumamente o Prêmio Anísio Teixeira, concedido a cada cinco anos pela agência brasileira para o aperfeiçoamento de pessoal de nível superior a colaboradores ilustres de pesquisa e desenvolvimento no Brasil.
Fonte: Wikipedia
Privilégios
Milton Santos conhece o povo brasileiro(1) como poucos sociólogos e defendia os direitos dos pobres como poucos operadores do Direito fazem. Por isso, quando refletimos sobre qualquer das frases deste grande brasileiro, devemos nos afastar de preconceitos e pensar de forma diferentes. Em outras palavras, é necessário ter um grande senso de humanidade e civilidade para entender sobre os privilégios a que ele se refere.
Classe Média
Em primeiro lugar, é impossível alguém definir classe média no Brasil com as variações e desigualdades nas cidades. Alguém por exemplo, que tenha um padrão de vida e se considere classe média numa pequena cidade pode ser pobre numa metrópole. Com toda a certeza, a definição de que este excerto é um grupo social que possui a média de renda da população é falsa. Como se não bastasse, além de falsa é uma farsa, que muitos integrantes dessa classe média adotam, para receber privilégios.
Certamente, de forma geral, são pessoas que dependem fundamentalmente da renda do seu trabalho (formal ou informal) para viverem. Desta forma, se perderem sua renda, estarão longe dos privilégios que obtém. Possuem, outrossim, um certo poder de compra e um padrão de vida razoável e conseguem suprir as necessidades básicas e ter algum lazer.
A classe média se diferencia dos pobres e dos ricos, mesmo que alguns tenham uma renda elevada e algum patrimônio. Entretanto, a classe média é, na sua maioria, um conjunto de pessoas que gosta de se destacar e exibir estas diferenças, através dos privilégios.
Assim sendo, o critério oficial não é consenso nem aos que ascendem a esta classe. Eduardo Marinho, um lídimo representante desta classe média, classificou-os, apropriadamente, como pobres de espírito(2).
Alienação
A força da alienação(3) de que Milton Santos utiliza para explicar a separação de indivíduos de mesma classe social é pedagógica. A ânsia das pessoas em agarrarem oportunidades e passar por cima dos outros, para obter privilégios, está em nosso dia-a-dia. A lenda do “… levar vantagem em tudo, certo …” ou do “… farinha pouca, meu pirão primeiro …” são realidades atuais.
Desigualdades Sociais
O Brasil, de profundas desigualdades sociais, testemunha um fenômeno peculiar nas redes sociais. A busca incansável de muitos brasileiros pelo reconhecimento como parte da classe média ou até das elites. Os influenciadores e artistas que gostam de ostentar estão por aí, livres, leves e soltos comprovando essa teoria
Essa aspiração não é apenas econômica, mas também social, e carregam consigo a vontade de deixar para trás as condições adversas. A história de exploração que sofreram serve até de muleta e inspiração como se fosse possível para todo mundo.
Enfim, a maioria quer sair da condição de sofrer exploração para se tornarem, eles mesmos, exploradores dos que ainda não atingiram esse status. Essa ascensão se dá, sem dúvida, através da usurpação de direitos de outros cidadãos. Desse modo, cria-se um cenário complexo que deveria levar uma reflexão a partir de temas como cidadania e humanidade.
Entretanto, aqueles que se submetem à exploração continuam sonhando. Está se tornando muito comum as pessoas caírem em golpes pueris e até incentivá-los. Alguém faz um vídeo ao lado de um carro de luxo e faz um sorteio dele cobrando R$0,99 por número. Milhões de seguidores convencem outros milhões a comprarem uma rifa que não vai premiar ninguém honesto.
Surpreendentemente, ainda existem pessoas que acreditam, apoiam e almejam ser como aqueles novos ricos. Não tem volta!
Ascensão Social
Esta usurpação de privilégios para obter ascensão à classe média tem ligação com a ideia de ascensão social e melhoria aparente de vida. Muitos enxergam nessa posição uma forma de escapar da vulnerabilidade econômica que assola grande parte da população. No entanto, essa busca nunca vem junto com algum tipo de consciência social coletiva ou comunitária.
Ao alcançarem uma posição na hierarquia socioeconômica, o individualismo e egocentrismo passam a refletir uma mentalidade exploratória. E, portanto, a forma mais fácil de aumentar os privilégios é agindo em detrimento daqueles que ainda não atingiram esse patamar.
Esse comportamento odioso manifesta-se na esfera profissional e pessoal. Indivíduos recém-chegados à classe média podem se tornar chefes ou empreendedores abusivos. É comum e basta ver as condições precárias de trabalho e desrespeito a direitos trabalhistas básicos existentes. Essa atitude contribui para a perpetuação de uma cultura de exploração e agressões que vemos contra profissionais de delivery. A ascensão de alguns poucos se dá, no Brasil de hoje, às custas da submissão e da perda de direitos de outros.
Consequências
A busca por privilégios na condição de classe média muitas vezes se traduz em um desejo de distanciamento dos problemas sociais mais amplos. Indivíduos que conquistam uma posição mais confortável podem se tornar alheios às questões que afetam os estratos mais baixos da sociedade. Atitudes como a falta de solidariedade e empatia tornam-se comuns e ninguém se preocupa com as consequências.
É provável que, esse distanciamento e indiferença reflita-se nas políticas públicas que esta falsa classe média defende. É comum os que podem pagar um plano de assistência médica ou possuem algum suporte à saúde atacarem o SUS. Deste modo, quando surgem situações graves como crises de doenças infectocontagiosas ou uma pandemia, o conflito instala-se. E estas pessoas querem ter privilégios para furar fila de vacinas ou não terem que estar no mesmo elevador que um pobre.
Enfim, até no direito básico dos pobres essa classe atua para proteger seus privilégios e não o bem-estar coletivo.
Exploração Sem Fim
Milton Santos nos deixou um pouco antes de explodirem as redes sociais. Caso ainda estivesse entre nós faria coro com outros pensadores modernos que atuam nas plataformas digitais.
A luta por uma ascensão social não deveria se dar pela negação dos direitos e pela exploração dos menos privilegiados. Uma solução possível para questões como a de privilégios para poucos e exploração de muitos passa evolução da consciência cidadã e humana. Entretanto, esta evolução está em vertigem, a solidariedade e a construção da justiça estão em desuso nas redes sociais.
A educação, inclusive digital, que deveria desempenhar um papel fundamental nesse processo inexiste. Existe a falácia da promoção do ensino técnico e acadêmico como forma de ascensão à classe média. Contudo, esta formação serve para os propósitos de mais pessoas trabalhando para outros apropriarem dos frutos de seu trabalho.
A ostentação e as aparências substituem, atualmente, valores como empatia, solidariedade e respeito pelos direitos humanos.
Segregação
O diálogo entre as diferentes classes sociais, não atingem a compreensão mútua mínima e tornam-se campos de batalha ideológica. A criação de espaços para a discussão de questões sociais e econômicas inviabiliza-se com a segregação de sindicatos e similares. O que poderia ser uma ferramenta valiosa para conscientização e a busca por soluções coletivas torna-se “fora da lei“. Até as igrejas tornam-se uma forma de exploração dos pobres formando pastores que ascendem à classe média. É comum ouvir pregadores de púlpito dizendo que ” … deus disse que eu devo ter mais conforto …”(*).
Ao mesmo tempo, estes usurpadores cobram responsabilidade do Estado para criar políticas públicas que reduzam as disparidades sociais. É provável que o Estado garanta acesso igualitário à educação, saúde, moradia e oportunidades de emprego sobre privilégios para eles. O caso das isenções para igrejas e seus pastores, por exemplo, é uma representação de que certas castas preocupam-se somente com privilégios.
Em suma, a classe média no Brasil quer a perpetuação da exploração, a retirada de direitos de outros cidadãos e a manutenção de seus privilégios. Não existe uma solução para essa questão que reside na promoção de uma evolução da consciência cidadã e humana. Inquestionavelmente, nem a educação, o diálogo ou a implementação de políticas públicas resolverão a injustiça social.
Um país onde a luta por uma posição social de destaque decorre da exploração de outro homem, não vai evoluir nunca.
A classe média no Brasil tem aspirações individuais e não tem medo das consequências.
Milton, os pobres de espírito venceram, e “Amanhã tem mais …”
P. S.
(*) Ouvi esta frase, em alto e bom som, quando estava diante de uma igreja neopentecostal com seu estridente som.
(1) “Brasil Caipira – O Povo Brasileiro”
(2) “Entre sem bater – Eduardo Marinho – Pobres de Espírito”
(3) “Entre sem bater – Milton Santos – Força da Alienação”
Imagem: Entre sem Bater – Milton Santos – Os Privilégios
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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