Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. É provável que Alfredo Yabrán tenha uma única frase de efeito na sua trajetória, mas “Ter o Poder” pode ser deste modo.
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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.
Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Alfredo Yabrán
Algumas figuras públicas se notabilizam por falar muito e, eventualmente, falarem o que não devem. Por outro lado, representantes das oligarquias têm como referência falarem pouco e de forma enigmática. Yabrán era assim, ou pior, não gostava nem de se ver em registros fotográficos.
Alfredo Enrique Nalib Yabrán (1 de novembro de 1944 – 20 de maio de 1998) foi um empresário argentino, com estreitas ligações com o governo, em particular com a administração de Carlos Saúl Menem. Yabrán nasceu em Larroque , província de Entre Rios, em 1944, sétimo filho de Nallib Miguel Yabrán e Emilia Tufic Marpez, ambos filhos de imigrantes libaneses. Seu nome ficou conhecido devido a denúncias do ex-ministro argentino Domingo Cavallo. Numa sessão do Congresso em 1995, o então ministro das Finanças denunciou Yabrán como uma espécie de chefe da máfia com proteção política e judicial. Yabrán suicidou-se enquanto enfrentava prisão por suspeita de envolvimento no assassinato do fotojornalista José Luis Cabezas.
Fonte: Wikipedia (Inglês)
Ter o Poder
É provável que Yabrán não proferiu meia dúzia de frases dignas de registro na mídia ou nos jornais sensacionalistas. Seu isolamento era de imagens e das palavras e exposição pública. Entretanto, sua principal frase é emblemática no seu país, como pode servir para muitos outros oligarcas em diversas nações. Analogamente, podemos traçar um roteiro desta frase em diversos personagens no Brasil, com muitas variantes. Certamente, além de personagens das oligarquias, personagens políticos e autoridades poderiam assumir a frase em questão.
Contudo, como tudo no Brasil tem um “jeitinho“, até a Argentina trilhou caminhos inimagináveis para o Brasil dos últimos anos.
Brasil 25 anos (1998-2023)
Considerando que o grande escândalo na Argentina ocorreu com o Brasil em grande estabilidade, era para assimilarmos alguma coisa. Parece que após aquele período, mesmo como nosso escândalo interno, uma década antes, retomamos a trilha de ter o poder e ter imunidade.
Observando os conflitos políticos do Brasil entre 1988 e 2023, é notável como a ideia de poder e impunidade(1) está presente em nossa história. Desse modo, desde a transição do governo Sarney, incluindo governos estaduais e municipais, o poder e a impunidade persistem. Como se não bastasse, as instabilidades e problemas afetaram também os poderes Judiciário e Legislativo. Esse período, marcado por avanços e retrocessos, escancarou as falhas sistêmicas que permitiram a perpetuação da impunidade.
As diversas esferas do poder, com toda a certeza, aliaram-se às oligarquias que sempre estiveram no comando, desde o Reino Unido(2).
Desde o retorno das eleições diretas em 1989, os brasileiros, mesmo com a pequena liberdade de imprensa, começaram a avançar. Desse modo, uma série de acontecimentos políticos que refletiram a relação complexa entre poder e impunidade.
Redemocratização
O processo de redemocratização trouxe consigo a esperança de um país mais justo e transparente. Contudo, essa esperança muitas vezes foi corroída por escândalos e corrupção que envolviam tanto o poder executivo quanto o legislativo. Como se não bastasse, as oligarquias manipularam a população, como o caso da Rede Globo e revista Veja nas eleições presidenciais de 1989,
A ideia de que poder e impunidade ganhou forma à medida que os envolvidos viam-se livres de um banquete de consequências(3) legais. Por outro lado, as oligarquias da comunicação, empreiteiras, financeiras, assistiam de longe só com financiamentos de campanha. As esferas municipal e estadual eram o alvo principal de acordos espúrios, que, se chegassem ao judiciário, teriam suas compensações. Os casos de venda de sentenças, normalmente favoráveis a corruptos e corruptores, sempre tiveram citações e poucas conclusões.
Desde que uma nova Constituição teve promulgação, em 1988, imaginamos viver num novo país. Vivemos, desde então, num país de PEC´s e CPI´s, inúteis e enganosas que atualmente servem para referendar a impunidade. O caso mais recente da “CPI das Vacinas” demonstrou que o povo brasileiro tomou sua decisão. Vários protagonistas com relação direta com crimes e indiciamentos, receberam ótima votação para o Congresso Nacional.
Poder Executivo
O poder executivo, na maioria das vezes está no epicentro das decisões políticas, e também é foi protagonista desse dilema.
A presidência da República, símbolo máximo do poder político, testemunhou casos de corrupção que minaram a confiança da população nas instituições. O mensalão e a operação Lava Jato são exemplos claros de como a impunidade acompanhou que estava cargos executivos e legislativos importantes.
A sensação de que figuras poderosas estavam além do alcance da lei reforçou a afirmação de que o exercício do poder garantia imunidade.
Desse modo, o país sofreu um assalto e, nesse ínterim, o ex-presidente mais recente está no meio de investigações por vários crimes. Desde uma simples (simples, como assim?) falsificação de cartão de vacina, até apropriação indevida de bens que deveriam ser da União.
Poder Legislativo
O poder legislativo, por sua vez, como se não bastasse, não fica imune às questões de poder e impunidade. E utiliza seu poder, que deveria ter equilíbrio e igualdade em relação aos outros dois, para se beneficiar.
Desde a Máfia do Orçamento, e tantas outras, como das Ambulâncias, e mais recentemente, Orçamento Secreto, tudo é motivo para ter o poder. Assim sendo, através de dinheiro do orçamento que o Executivo deveria utilizar adequadamente, o Legislativo cuida de suas reeleições.
A presença de parlamentares em escândalos de corrupção, nos últimos 25 anos, evidenciou como a impunidade envolve até mesmo a casa do povo. A ideia do poder e impunidade manifestou-se em casos de processos contra políticos serem lentos e se arrastarem até o arquivamento. Com efeito, em alguns casos, nem sequer prosperam devido a manobras jurídicas e influências políticas em tribunais.
A sensação de que os representantes do povo estavam acima das leis minou a confiança dos cidadãos no sistema democrático tupiniquim.
Poder Judiciário
Além das esferas executiva e legislativa, o poder judiciário também teve seu papel nesse cenário.
A falta de agilidade nos processos, a seletividade na aplicação da justiça são sintomas clássicos e visíveis. Adicionalmente, a percepção de leniência em relação a determinados grupos políticos e oligarquias nos remetem a uma convicção da impunidade.
Por exemplo, a Operação Lava Jato, por um lado, recebeu elogios por seus esforços em combater a corrupção. Contudo, também sofre críticas por agir de maneira seletiva e com acordos de delação suspeitos.
O mecanismo dominante(4) que envolve processos e o Judiciário, no caso da Lava-Jato, chegou até a produção de filmes e séries.
Essa dualidade reforça a ideia de que a impunidade é uma realidade para aqueles que detinham o poder, enquanto outros recebem tratamento diferente. Os casos pitorescos são interessantes, como um borracheiro de Belo Horizonte, que teve condução até o Paraná. Somente após chegar lá, descobriram que se tratava de um homônimo de alguém de alguma oligarquia envolvida no processo.
Entretanto, a operação Lava-Jato foi a mais simbólica, que parece não servir sequer para criar temor nos representantes políticos e do Judiciário. A exposição na mídia sensacionalista, de fatos e descobertas recentes, demonstra que o problema está em todos os Poderes e Esferas.
Oligarquias
As oligarquias, historicamente, sempre exerceram influência específica sobre os eventos políticos e econômicos do Brasil. Assim sendo, desenvolveram para a percepção de impunidade e de como dar utilidade a seus projetos. Tudo vem de muito antes do período a que este texto faz referência, a ideia de que o maior corruptor do sistema está nas oligarquias.
A conexão entre poder político e econômico resultou em relações simbióticas em que interesses particulares prevalecem sobre o interesse público. A crença de que “ter o poder é ter impunidade” faz história quando membros das oligarquias sequer passam perto de sofrerem um processo.
Como se não bastasse, castas de empresários, representando as oligarquias, obtêm remissões, isenções fiscais e praticam a sonegação, impunemente. Os exemplos recentes de fraudes em falências e golpes contra o Estado e o cidadão se repetem. A criação de programas como PROER e outros, salvaguardam estes empresários, na maioria dos casos, financiadores de campanhas.
Tomemos, por exemplo, um caso lapidar. Um empresário fez parte do governo federal para privatizar empresas públicas. Logo após, muda para o governo estadual e é um dos maiores financiadores de campanha do governador. Ato contínuo, o governador propõe a isenção de impostos para o setor econômico deste financiador de campanha, com dinheiro dos contribuintes.
Em quase todos os casos, os setores poderosos da economia, com relação umbilical com poderes Executivo e Legislativo, livram-se das consequências.
Avanços ou retrocessos
Atualmente, os casos de corrupção começam a ganhar apoio de segmentos da sociedade. Por exemplo, uma empresa de serviço público de água ou energia promove uma terceirização radical. Esta terceirização provoca demissões, precarização de condições de trabalho(5) e declínio da qualidade dos serviços. Desta forma, pavimenta-se a ideia de que vender a empresa vai diminuir tarifas e custo dos serviços, além de melhorar a qualidade. Surpreendentemente, uma parcela da população convence outros milhões que vender a empresa pública é necessário.
O poder dado a um governador, ou a um séquito de deputados, mesmo contra uma constituição que determina um referendo popular, tem uma aceitação geral.
No entanto, nem a hipótese de que avanços recentes no combate à impunidade se apresentam, é passível de comemoração. O cidadão mediano, com mobilização teleguiada pelas redes sociais comemora liminar ou operação policial sem saber por quê.
A mobilização da sociedade civil, o fortalecimento das instituições de controle e a busca por maior transparência é praticamente inútil. A responsabilização de indivíduos poderosos, em qualquer dos poderes ou nas oligarquias, são fatos menores. Está sendo muito comum a divulgação de prisões, mas as solturas e condenações são casos de pouco interesse. Se temos alguns avanços, por outro lado, os retrocessos dos últimos seis anos não terão uma correção e rumo nem nos próximos 25 anos.
Lições
Enfim, a própria Operação Lava Jato, com todas as controvérsias, expôs casos de corrupção, mas levou poucos políticos e empresários à justiça. Contudo, os erros, intencionais ou não, expuseram, como no caso de Dalagnol, que o Judiciário tem rabo preso com a corrupção. Fatos recentes indicam que dentro do Poder Executivo, no Exército ou nas Forças Armadas, também há graves problemas.
Em suma, a trajetória política do Brasil entre 1988 e 2023 evidenciou a ideia de Yabrán, nua e crua, “ter o poder é ter impunidade”.
Essa percepção define-se pelas interações complexas entre os poderes judiciário, executivo e legislativo, bem como com as oligarquias.
No entanto, essa noção também enfrentou desafios através de avanços e retrocessos no Poder Judiciário. Enquanto isso, a necessária mobilização da sociedade civil assiste aos seus próceres em estado catatônico.
Maldição !
Inquestionavelmente, a história do Brasil nesse período serve como um lembrete de que a impunidade não é exclusividade deste ou daquele Poder.
Outrossim, podemos dizer que ações coletivas, a vigilância das instituições são uma necessidade que a população não encontra respaldo atualmente. As redes sociais e plataformas de comunicação digital não demonstram um compromisso com a transparência e a justiça. Desse modo, o cidadão fica entre a cruz e a espada, de maneira que não encontra um porto seguro para que possa fazer suas escolhas.
Eliminarmos a impunidade de quem tem o poder legal é tarefa impossível em nosso país. A Argentina paga pelos seus pecados, assim como estamos pagando há mais de 25 anos.
As frases de Pelé ( não sabe votar ) e de Gérson ( levar vantagem em tudo ) caem como uma maldição sobre nós.
(1) “Entre sem bater – Marquês de Maricá – Impunidade”
(2) “200 anos sem Dom João VI”
(3) “Entre sem bater – Robert Stevenson – Banquete de Consequências”
(4) “O mecanismo dominante tupiniquim”
(5) “Golpe nos trabalhadores – Terceirização, Precarização e Lucros”
Imagem: Entre sem bater – Alfredo Yabrán – Ter o Poder
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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