Entre Sem Bater – Daniel Dennett III – Viagra Moral

Entre sem Bater

Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Entretanto, algumas frases e seus autores podem surpreender a maioria dos leitores. Com toda a certeza, o estulto religioso necessita, dramaticamente, de um “Viagra Moral“, como sugeriu Daniel Dennett, para sobreviver.

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As frases com publicação aqui têm as mais diversas origens. Com toda a certeza, algumas delas estarão com autoria errada e sem autor com definição. Assim sendo, contamos com a colaboração de todos de boa vontade, para indicar as correções.

Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Por isso, em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.

Daniel Dennett III

Já escrevi sobre vários assuntos que relacionam-se com religião. Contudo, a maioria das pessoas fogem de textos em que algum questionamento aos seus dogmas e crenças apresenta-se. Daniel Dennett, que faleceu recentemente, produziu conceitos e conclusões que são fora da caixinha, o que assusta as pessoas. Desta forma, a ideia de “viagra moral” reforça a proposta de que o mundo mudou, mas a cabeça das pessoas não evolui^(*).

Daniel Clement Dennett III (28 de março de 1942 – 19 de abril de 2024) foi um filósofo e cientista cognitivo americano. Sua pesquisa centrou-se na filosofia da mente, na filosofia da ciência e na filosofia da biologia , particularmente no que se refere à biologia evolutiva e à ciência cognitiva. Dennett é amplamente considerado um defensor do materialismo na filosofia da mente. Ele argumenta que os estados mentais, incluindo a consciência, são inteiramente o resultado de processos físicos no cérebro. Em seu livro “Consciousness Explained ” (1991), Dennett apresenta seus argumentos para uma compreensão materialista da consciência, rejeitando o dualismo cartesiano em favor de uma perspectiva fisicalista. Um ateu e secularista declarado, Dennett foi descrito como “um dos filósofos americanos mais lidos e debatidos”. É referenciado como um dos “Quatro Cavaleiros” do Novo Ateísmo, junto com Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens.

Fonte: Wikipedia (inglês)

Viagra Moral

O mundo digital e as redes sociais se transformaram drasticamente com a maneira como as pessoas interagem e expressam suas opiniões. Frequentemente, ocultam suas verdadeiras intenções e caráter, usando este comportamento até para cometer crimes. É provável que estejamos no limiar da negação da evolução humana⁽¹⁾, retrocedendo como um foguete em direção ao desconhecido.

No entanto, a expansão dessas plataformas também revelou algo alarmante: a vulnerabilidade da moralidade e da ética de muitos indivíduos. Este novo mundo  está repleto daqueles que se escondem atrás de dogmas religiosos, versículos bíblicos e parábolas. Com toda a certeza, escondem-se para mascarar a ausência de um pensamento crítico ou de um caráter com princípios.

Daniel Dennett, um cientista cognitivo contemporâneo, em sua frase-chave provocadora compara a religião a uma espécie de “viagra moral”. Inquestionavelmente, ele nos oferece uma pista importante para entender como e por que muitos se agarram a essas crenças em ambientes virtuais.

Em suma, a excepcional metáfora sugere que a religião, para muitas pessoas, atua como um remédio temporário. Em outras palavras, algo que sustenta artificialmente uma moralidade que, sem essa estrutura externa, poderia desmoronar facilmente. E, surpreendentemente, não é necessário nem muitos argumentos, mas os usuários do viagra moral fogem dos cientistas.

Desse modo, as redes sociais se tornaram um palco onde essas dinâmicas, expostas e sob críticas, não resistem aos fatos. Não raro, indivíduos postam versículos religiosos, mensagens de fé ou referências a códigos morais cristãos, sem praticá-los. Estes hipócritas, cujas ações quando vistas de perto revelam incoerências gritantes, habituaram-se com o viagra moral. Esses comportamentos são, sem dúvida, superficiais e defensivos, sugerindo que esses indivíduos se valem da religião não por convicção genuína. Certamente, usam muito do viagra moral para se protegerem das críticas ou para encobrir a superficialidade e a falta de uma opinião.

A Superficialidade

A citação de Dennett mais do que insinua que a religião serve como uma espécie de compensação para aqueles sem um fundamento ético ou moral. No contexto das redes sociais e plataformas digitais de interação, este comportamento amplifica-se, sem controle. As pessoas compartilham frases de efeito, provérbios religiosos e parábolas, sem refletir, minimamente, sobre o que essas mensagens significam.

Por isso, temos um ambiente digital que favorece o superficial: likes, curtidas e comentários se tornam a métrica de validação. Por outro lado, a qualidade de conteúdo ou a profundidade dos debates fica à margem ou inexiste. Sendo assim, surgem as falácias mais comuns, como o ataque a todo emissor de opinião ou críticos da superficialidade.

A moralidade religiosa nas redes sociais frequentemente se torna uma ferramenta de autopromoção e até elege políticos no Brasil. Versículos brotam do nada, não porque os valores deles estejam presentes, mas porque proporcionam uma imagem de virtude e bondade.  Ao se alinharem com preceitos religiosos, essas pessoas evitam questionamentos sérios sobre sua própria moral e ética.

Na verdade, o que muitos buscam é justamente o contrário: aceitação social e validação externa, a partir da superficialidade. Este tipo de viagra moral é, na melhor das hipóteses, um sinal de embotamento intelectual. Como se não bastasse, comprova-se uma profunda ausência de pensamento crítico e autonomia moral.

Moralismo Religioso

Nesse contexto, o viagra moral sugere que a religião, para a maioria, é uma solução artificial que engana muitos neófitos. Em tempos de ditadura das redes sociais, essa falta de caráter demonstra um falso moralismo e um comportamento moral asqueroso. Por exemplo, muitos indivíduos disparam “bom dia” com versículos e, ao mesmo tempo, pregam por armas para matar os outros. Enfim, nada mais são do que performances teatrais, para impressionar os outros ou garantir seu pertencimento em uma comunidade.

O maior problema desta moralidade religiosa nas redes sociais é, sem dúvida, a maneira conveniente que evita-se o escrutínio moral sério. Para muitos, a simples citação de um versículo ou a expressão de um pensamento religioso justifica qualquer ação subsequente. Desta forma, cria-se uma barreira intransponível ao pensamento crítico e ao debate. Ou seja, aqueles que buscam uma justificativa em viagra moral raramente questionam suas próprias ações ou assumem suas contradições.

Essa irresponsabilidade é particularmente evidente quando observamos as contradições entre os discursos e as ações. Temos, afinal, um palco perfeito onde a religião não proporciona uma reflexão ética e moral para inspirar ações justas. Entretanto, o cenário e as máscaras  são um disfarce para más condutas de quem usa um viagra moral desde sempre.

Enfim, o indivíduo que constantemente se apoia em frases religiosas para guiar sua moralidade, falha em demonstrar caráter e honradez. Desse modo, se ele agir de maneira coerente com esses valores, acaba expondo o vazio de seu discurso.

A Ética do “copy / paste”

A facilidade com que os dogmas e crenças religiosas são um “copia / cola” em cada postagem expõe o uso massivo do viagra moral. Não é preciso refletir profundamente, nem confrontar as complexidades morais da vida real para ver as mensagens que recebemos destes hipócritas. A ética “copy / paste” envolve repetir algo, sem questionar, o que empobrece tanto o discurso religioso quanto a capacidade de análise crítica de todos.

Esse tipo de comportamento revela uma falta de opinião própria. Em vez de desenvolver uma visão de mundo através da experiência e da reflexão, muitos indivíduos preferem adotar crenças prontas. Em outras palavras, ficou mais fácil entregar-se a eles através de tradições religiosas ou figuras de autoridade do que pensar e refletir. Essa ausência de originalidade e caráter, que as redes privilegiam, encorajam uma conformidade superficial e que produz indigentes mentais.

A princípio, termos como indigente mental ou idiota da aldeia podem parecer agressivos. Entretanto, recorremos a um copy / paste, parafraseando o próprio Dennett:

“… não existe forma direta e educada de dizer algo real. Muitas pessoas reverenciam dogmas e crenças que são verdadeiras tolices religiosas ante a ciência e a realidade …”.

Banquete de Consequências

Desse modo, a “moralidade artificial” que ganha o planeta através de um simples viagra moral, nem sempre torna-se um banquete de consequências⁽²⁾. Quando as pessoas são incapazes de defender suas opiniões ou ações, sem recorrer a um viagra moral, a sociedade padece. Desse modo, elas perdem a oportunidade de crescer como indivíduos críticos e responsáveis. A dependência de um viagra moral também enfraquece a capacidade das sociedades em enfrentar desafios éticos complexos.

Dennett sugere que muitas crenças religiosas são tolices, especialmente quando confrontadas com a realidade científica e factual. As redes sociais apenas amplificam essa percepção, revelando a fragilidade de muitas dessas crenças quando se expõe à luz da razão. Ao se esconderem atrás de versículos e dogmas, mostram não apenas a ausência de caráter. Mostram, com toda a certeza, uma resistência ao diálogo, à autocrítica e uma enorme incapacidade cognitiva.

Em suma, as redes sociais se tornaram um espelho da sociedade, onde as fragilidades morais e éticas das pessoas apresentam-se de maneira cristalina. A religião, para muitos, é como uma cobertura conveniente para esconder a ausência de pensamento crítico e caráter próprio. A moralidade religiosa nas redes sociais, sem dúvida, reforça um conformismo superficial e servil.

A citação de Daniel Dennett nos lembra de que essa superficialidade é perigosa, tóxica e até criminosa. Desse modo, impede a sociedade de evoluir para um entendimento mais profundo e significativo da moralidade e ética. É impossível ter alguma educação, que a sociedade hipócrita alardeia, com viciados em qualquer viagra moral.

 

“Amanhã tem mais …”

P. S.

^(*) “Os americanos são notoriamente mal informados sobre a evolução. Uma pesquisa da Gallup (junho de 1993) descobriu algo surpreendente. 47 por cento dos americanos adultos acreditam que o Homo Sapiens⁽³⁾ é uma espécie criada por Deus há menos de dez mil anos.” in “Darwin’s Dangerous Idea: Evolution and the Meaning of Life”.

⁽¹⁾ “Entre Sem Bater – Donald Johanson – Evolução Humana“

⁽²⁾ “Entre Sem Bater – Robert Stevenson – Banquete de Consequências“

⁽³⁾ “Entre Sem Bater – Yuval Noah Harari – Homo Sapiens“

 

Imagem: Entre sem Bater – Daniel Dennett – Viagra Moral