Entre sem Bater
Este é um texto da série “Entre sem bater” ( ← Uma leitura, acima de tudo, “obrigatória” ). A cada texto, uma frase, citação ou similar, que nos levem a refletir. É provável que muitas destas frases sejam do conhecimento dos leitores, mas deixaremos que cada um se aproprie delas. Franz Kafka escreveu, mais de 100 anos atrás, sobre a “Geração Perdida” da qual ele fazia parte. Desse modo, podemos afirmar que Kafka está atualizadíssimo?
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Na maioria dos casos, são frases provocativas e que, surpreendentemente, nos dizem muito em nosso cotidiano. Quando for uma palavra somente, traremos sua definição. Em caso de termos ou expressões peculiares, oferecemos uma versão particular. Os comentários em todas as redes sociais podem ter suas respostas em cada rede e/ou com reprodução neste Blog.
Franz Kafka
Se Kafka fosse vivo, reviraria, com toda a certeza, no túmulo cada vez que alguma de suas ideias sofrem deturpação. Eu diria que o escritor austro-tcheco, de origem judaica, tinha pensamentos muito adiante de seu tempo. Franz Kafka escreveu, mais de 100 anos atrás, sobre a louca “Geração Perdida” da qual ele fazia parte. Desse modo, a partir de “O Processo” e “A Metamorfose” podemos afirmar que Kafka está atualizadíssimo?
Franz Kafka ( 3 de julho de 1883 – 3 de junho de 1924 ) foi um romancista e contista boêmio de língua alemã baseado em Praga. Reconhecido como uma das principais figuras da literatura do século XX . Seu trabalho funde elementos do realismo e do fantástico. Ele normalmente apresenta protagonistas isolados enfrentando situações bizarras ou surrealistas e poderes socioburocráticos incompreensíveis . Explorava temas de alienação, ansiedade existencial , culpa e absurdo. Seus trabalhos mais conhecidos incluem o conto ” A Metamorfose ” e os romances “O Processo” e “O Castelo”. O termo kafkiano entrou no inglês para descrever situações absurdas, como as retratadas em seus escritos.
Fonte: Wikipedia
Geração Perdida
É provável que Kafka tenha escrito a frase citando a geração perdida por volta de 1911. Sendo assim, ele se referia a geração dele que nasceu na segunda metade do Século XIX. Desde que ele escreveu isso, passamos por duas guerras mundiais e muitas mudanças. Conforme escrevi num texto sobre conflito de gerações(1) muitas gerações se passaram e a de Kafka não foi uma geração perdida.
Não foi uma geração perdida simplesmente porque tivemos vários pensadores, como o próprio Kafka, que deixaram um legado impressionante. Os pensamentos daquele que, se vivesse hoje, seria o “maluco beleza“, são fantásticos. Outrossim, devemos agradecer aos historiadores e aqueles que expuseram as obras de Kafka, depois que ele se foi.
Crítica e Ceticismo
Com toda a certeza, a afirmação de Kafka possui altas doses de pessimismo e resignação. É provável que, refletia o clima de desilusão e desamparo que pairava sobre a Europa no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial.
Mais de cem anos se passaram e o mundo presencia avanços tecnológicos e científicos inimagináveis na época de Kafka. A Internet, as redes sociais e a onipresença da informação remodelaram a vida em sociedade.
Diante de tamanha transformação, cabe questionar: a geração atual, imersa nesse novo mundo digital, ainda é “inocente”?
É inegável que as redes sociais democratizaram o acesso à informação e abriram espaço para o compartilhamento de ideias e experiências. Através delas, indivíduos de diferentes origens e culturas podem se conectar e interagir, promovendo a tolerância e o respeito à diversidade.
Desse modo, meu ceticismo(2) e espírito estoico permite dizer, inquestionavelmente, que Kafka era inocente demais.
Geração Mimimi
Eu diria, com muita tristeza, que geração perdida é esta geração “nutella“ que nasceu a partir da novelinha “Malhação”. Geração sem conteúdo e que inunda as redes sociais com suas estultices “cheias de certezas”.
Se Kafka estivesse vivo hoje, muitas outras gerações não aproveitaram o momento que viveram. Certamente, dependendo do que ele usasse para avaliar a condição dessas gerações teria criado personagens kafkianos estupendos. Um colega com quem trabalhei produziu, durante muito tempo, uma tirinha com uma barata de nome Kafka.
Inquestionavelmente, sem mais informações sobre como Kafka definiria uma “geração perdida” é inútil filosofar. Além disso, é importante notar que o termo “geração perdida” tem uso de forma figurativa e depende do contexto que se utiliza.
Obscurantismo Medieval
No entanto, a face obscura das redes sociais também se revela com nitidez, e não importa a geração a que pertence cada um. Eu diria que dos 8 aos 90 anos, as pessoas sofrem influências maléficas incontroláveis.
A proliferação de notícias falsas, a cultura do cancelamento e o cyberbullying são apenas alguns exemplos dos perigos deste mundo moderno(3). A inocência, outrora vista como um traço característico da juventude, parece cada vez mais ameaçada por um ambiente virtual. O obscurantismo medieval, a impunidade, a intolerância e a falta de empatia reinam num absolutismo cruel.
Em um mundo transbordante de informações, onde a verdade se mistura com a mentira e a manipulação, discernir o real do falso tornou-se impossível. A geração atual, nativa digital, navega nesse mar de incertezas com desenvoltura, mas não se arriscando em atalhos perigosos. A ingenuidade deveria ceder lugar ao ceticismo e à desconfiança, frutos de uma realidade onde a imagem nem sempre condiz com a verdade.
Desta forma, a busca por validação, a necessidade constante de se conectar e compartilhar cada momento da vida mostra uma geração infantil. Como se não bastasse, a avidez pelo reconhecimento e a dependência da aprovação alheia, enterram promessas de mentes pensantes. A individualidade se dilui em meio a curtidas e comentários, e a identidade se constrói através de filtros e poses artificiais.
Inocentes, pero no mucho
É nesse contexto que a frase de Kafka ganha novos contornos e a geração perdida se renova a cada estação. A geração atual, munida de smartphones e tablets, em conexão 24 horas por dia, 7 dias por semana é inocente útil. Em outras palavras, mesmo em um mundo de informações, sua inocência se esvai na velocidade de um post-dancinha viral.
A “perda” da inocência não se configura como um mero retrocesso, é algo que tem arquitetos e que poucos ganham muito dinheiro. É o resultado de um mundo em constante transformação, onde os desafios se apresentam de formas distintas a cada geração. A responsabilidade de navegar nesse mar de informações e construir uma identidade autêntica recai sobre os jovens de hoje. Entretanto, nem que estejam munidos de conhecimento e discernimento, conseguem construir um futuro mais positivo e humano.
As redes sociais, com seus benefícios e malefícios, são apenas uma parte da equação. A verdadeira “inocência” reside na capacidade de questionar, de buscar a verdade e de se conectar com o outro de forma autêntica. Contudo, a superficialidade do mundo das redes sociais impede alguma visão de cooperação e tolerância às diferenças.
A geração atual, com seus erros e acertos, com sua ingenuidade e perspicácia, está apenas começando a escrever sua história. Cabe a ela decidir se usará as ferramentas digitais para perpetuar a alienação e o ódio. Por outro lado, ela poderá construir um futuro mais conectado, mais tolerante e, quem sabe, mais “inocente”.
Vem cá
E pensar que achávamos legal uma música como a do conjunto “Inimigos do Rei”
Enfim, sempre teremos gerações que terão a valorização de forma consistente à sua época. Entretanto, todas serão muito mais “inocentes” que as anteriores.
Sim! Vem, Kafka.
(1) “Perennial Gen – A verdadeira geração raiz”
(2) “Entre sem bater – James Russell Lowell – Ceticismo”
(3) “Entre sem bater – G K Chesterton – Mundo Moderno“
Imagem: Entre sem Bater – Franz Kafka – Geração Perdida
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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