A réplica
Em primeiro lugar, este texto é das raríssimas ocasiões em que abro espaço para a réplica sobre algo que escrevi. Certamente, aprendemos (eu e a autora da réplica) que é da repetição que advém o conhecimento, e no debate que avançamos. Desse modo, “Nada demais” é a resposta ao texto onde escrevi sobre o 8 de março.
Portanto, aquelas e aqueles (sim, agora os do gênero oposto estão convidados) que se interessarem, puxem a cadeira ou vamos ao “risca faca“.
O texto “Nada demais ” é da doutora Janete Ferreira, que cuida de mulheres e crianças com o mesmo carinho com que fez poesias e réplicas, desde que a conheço.
Enfim, a troca de ideias e sentimentos só pode fazer bem a todos, mesmo para quem não quer entrar na roda de prosa.
NADA DEMAIS
por Janete Ferreira
22 de março de 2023
“Para que servem os amigos senão para nos convidar a grandes aventuras. Em especial, a maior delas. A viagem para dentro de nós mesmos.
E foi um desses amigos, mestre na arte de polemizar que me enviou, no dia seguinte ao dia das mulheres, uma provocação interessante. Dizia ele, no texto que postou em seu Blog, que dispensava a leitura e comentários de homens. E que pedia a atenção às mulheres que se dispusessem a ler o seu escrito.
Aceitei o convite e me deparei com alguma concordância sobre o papel da mídia, que com seu alto poder de manipulação, eleva o 8M ao seu ápice e usa as próprias mulheres para isso. Numa espécie de desagravo, às datas comemorativas em geral, e também à submissão que as mulheres aceitam ao difundirem a data, ele me diz que a bandeira pelos direitos das mulheres precisa acontecer em outro patamar e em outra narrativa.
A dor
Pronto. Bastou. Para mim que já havia vindo com muitas inquietações sobre o misto de manifestação, luta e comemoração que marcam a data, aceitei a provocação. E prometi a ele que desceria ao meu porão.
E abri a porta para a minha dor. A dor do feminino. Ancestral, invisível, e muitas vezes inútil. Porque, é uma dor feminina, interpretada por um mundo masculino. E por isso, o não tem nem nome, nem se pode descrever.
Ela circula por onde caminho, por onde trafego, por onde vivo. Algo que tem a sutileza de um sapato de pano, e o peso de uma pata de elefante. Em meu corpo, em minha alma.
Sinto quando alguém me trata como uma mulher. Mesmo quando finjo que não vejo. Mesmo quando abro um sorriso largo, para a falsidade de um gesto gentil. Que me oferece o que não preciso ter, e me nega o que é mais precioso. O direito de me ser diferente, de ser feminina.
Sim, tenho olhos nas costas. Percebo quando o masculino desfaz o compromisso, retira o olhar, faz outras escolhas e define prioridades. Não precisa me dizer, eu já sei.
Não quero ouvir falar do mundo, do tempo, do dinheiro, do trabalho, dos problemas da vida, se eu só pergunto quem eu sou. E para onde o masculino caminha, senão comigo. E porque o olhar vem de cima e não do lado.
Não quero ouvir que são tolices. Que sou sensível. Sou sensível demais. E não prossiga, esclarecendo para me confundir. Não precisa me explicar, eu já sinto.
Visível e Invisível
E não dá para disfarçar. Não me adapto ao masculino, porque sou feminina. E dói demais, ocupar esse corpo e essa alma. E perceber toda a sutileza de comandos, padrões e normas criadas sob o ponto de vista masculino. O que eu sou capaz de criar e gestar é sutil demais para ser sentido e percebido por um homem. Porque sou mulher. Desde que nasci.
Onde a gente vai tem sempre algum olhar, algum jeito que dilacera, que arranca, que desloca. Nos lábios, as falas do conforto de quem está à vontade no mundo. Nos corações, a experiência de ter espaço, de ter voz, de conquistar, de governar, fazer as leis. Mas eu não preciso saber o que eles pensam, eu já experimento.
Muito antes da violência visível, está o invisível. O que não é fato, apenas sentido. Eu não preciso sofrer abuso, para me sentir abusada. E não preciso lutar, porque já conheço a derrota e a vitória. Não preciso me defender, porque eu já abandonei a espada.
E não quero comemorar, nem falar de direitos.
Quero celebrar o que sou; ser feminina, na pele, no corpo e na alma. Quero ser fêmea e me sentir plena por isso. Sempre quero me preencher de amor.
E o que eu peço, meu amigo, não é nada demais.”
Tréplica
A princípio, não tem que haver nenhuma tréplica pois convergimos mais do que divergimos. Desse modo, é esperar por mais camaradas que se alinhem nesta trincheira. Como se não bastasse, podíamos convocar algum convescote longe das redes sociais para revolucionar. É provável que em algum sarau poético vejamos que datas comemorativas não são para comemorar.
Decerto, a sua réplica não é nada demais, é aquilo a mais, que a maioria das pessoas precisa, nestes tempos difíceis.
Em outras palavras, as de Charles Bukowski, “às vezes as coisas são apenas o que parecem ser, nada demais“.
Em suma, nossas dores e querências são iguais e diferentes, e não precisa dia para sentirmos e vivermos tudo. Entretanto, temos que cuidar de todos nós, juntos e misturados, sem preconceitos e inquietações. Da mesma forma, estamos cansados de tolices, não porque estamos sensíveis, mas porque as tolices tomam conta do mundo.
A nossa percepção do mundo, sobretudo com a avalanche das redes sociais, nos permitem “textões” com muito conteúdo.
Afinal, devemos celebrar estes convites a grandes aventuras, internas e internacionais, temos este direito. E, finalmente, de acordo com o manual de regras de “mi casa“, pode quase tudo, aqui neste espaço. Desse modo, vale tudo, até o final. Se bem que só não vale dedo no olho e retirar o olhar.
Imagem: Evandro Oliveira
Nota do Autor
Reitero, dentre outras, o pedido feito em muitos textos deste blog e presente na página de “Advertências“.
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Agradeço a todos e compreendo os que acham que escrevo coisas difíceis de entender, é parte do “jogo”.